sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O meu primo Carlos


Ligou-me há um mês atrás para me dar os parabéns. Do Indiana. Estava calor, vários fahrenheit, que só por si já são muitos. “Em Chicago é que é bom”, acrescentou. Que grande maluco! O que virá a seguir? “Estou no Alabama! Aqui no faroeste do Colorado é uma autêntica torreira”. Imagino-o nos desfiladeiros, dos filmes de cowboys que víamos na infância. A esta distância, agora percebo que logo nessa altura, o mundo poderia ser pequeno para o irrequieto Carlitos. Eramos como irmãos. Para mim também um melhor amigo. Fazíamos coisas de putos, normais da idade. Com as raparigas sempre foi mais afoito. Mas agora refiro-me aos espalhanços de bicicleta, aos carros de rolamentos, aos piões. Partilhas e cumplicidades. Algumas bem parvas, como escondermos um ramo de cabeças de alho nos sacões de papelão de dezenas de pães que os nossos pais nos encomendavam para o café.
Podiam ter sido chocolates, doces, brinquedos, mas não, fomos humilhados em pleno Pão de Açúcar por umas cabeças d’alho! Que parvoíce. Eu acho que a ideia foi dele, mas não garanto. Os outros exemplos são contrários e elucidativos da personalidade forte, inventiva, artística, inconformada, desacomodada, insaciável. Toques de músico, fotógrafo e autor. Ele sim, escreve! Quando lhe vi os primeiros poemas escritos à máquina, alguns nem os percebi. E digo ver, pois pelo menos um deles era ilegível. Só dava para ver: era simplesmente um ponto. Pirou de vez! Apesar de mais novo, estava muito à frente, tanto que ficava entre o incompreendido, a admiração e a chacota da restante malta da rua. Foi muitas vezes um exemplo e uma motivação para eu próprio dar o melhor. Humano. Quando todos usavam o Marilú, o menino rico que era bem mais velho e perdido na droga, para servir de ameaça e mau exemplo, recebendo apenas desprezo, o Carlos ofereceu-lhe umas calças de ganga.
Lembro-me de o deixar ir no aeroporto, na partida da sua conquista do Mundo. Perdi-o, mas lá foi. Itália, Holanda e outros destinos mais. Perdi-lhe o fio à meada. Nunca o perdi no coração. Poderá estar no Oklahoma ou no Tibete, mas ainda há umas boas semanas atrás, numa rua de Almada olhámos, contemplámos e controlámos uma operação de salvamento de uma placa de revestimento do cimo de um prédio, com carro de bombeiros, escada elevatória e uma corporação de bombeiros desocupados. E nós, quais bêbados, cada um com sua água das pedras na mão.

Sem comentários:

Enviar um comentário