domingo, 20 de maio de 2012

Voltar à terra

publicado no Público de 11 de Agosto de 2012
 

No sentido literal para os astronautas em órbita, no sentido figurado para os que andam com a cabeça na lua, no sentido economicista de última alternativa de fuga às dificuldades e de procura de uma vida melhor e, no sentido lúdico, fraternal e migratório do retornar à província de pais e avós.

Em órbita nunca andamos, ser astronauta é só para predestinados. Se não andarmos com a cabeça na lua, não temos como aguentar os pés assentes no chão. E, ir à terra passear passou a ser um luxo. A não ser que se vá pela nacional, devagarinho, a contemplar os caminhos de outros tempos, no dobro do tempo. Com curvas e contracurvas. Montanhas e  escarpas. Currais, casas e animais. Pinhais, chaparrais, olivais e vinhais. Rectas, planícies, cultivos e colinas. Rios e riachos que seguem o seu curso, sem parar. Como a vida, que foi indo e tristemente deixou a terra abandonada. Às silvas, como temerosamente alertavam os avós.

Muitos, viemos de lá para os centros. De oportunidade, negócio, trabalho e comércio. Os famosos centros comerciais, e de serviços. Nada mais cómodo do que ter tudo organizado e concentrado no mesmo sítio. Na terra não havia e não há nada, pelo menos à mão de semear. É preciso semear, cultivar, regar, cuidar, colher, trabalhar. Na terra, árdua, o tempo passa devagar e nada parece haver ou acontecer, não para os que madrugam, mas para os que cultivam os centros comerciais. Não havia, não há, mas parece que haverá algo mais na terra: renovadas oportunidades e esperanças.


É uma tendência, na crise. Nas inevitáveis terras helénicas, o regresso ao campo faz-se para as inúmeras ilhas de praias paradísicas. E, com plantações de caracóis. Certamente não só, mas nada de mais apelativo e ao mesmo tempo desconcertante. Portugal não é feito de ilhas e ilhéus, temos antes pequenas cidades e povoações, rodeadas de nada, ligadas por pontes de hectares de alcatrão, mas isoladas de gentes. Pouca, mas boa gente, que mesmo assim, vai produzindo com contributo positivo para as tão faladas exportações.
Seja com ou sem caracóis, fruta, legumes, azeite, vinho ou cortiça. Seja de ou para o oeste saloio, o sudoeste, o nordeste transmontano, o Alentejo profundo, o Minho galego, o Douro portuense, a Madeira tropical, os Açores verdejantes, o interior e litoral beirão, a serrania balnear algarvia ou a lezíria ribatejana. Seja para ou de Lisboa, Porto, Madrid, Paris, Bordéus, Roterdão, Bruxelas, Escandinávia, Leste, Ásia, Oceânia, África, Pólos ou Américas. Voltar à terra será sempre uma oportunidade. Não uma garantia, mas uma oportunidade, quanto mais não seja de carregar o espírito e renovar a esperança.

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