sábado, 7 de dezembro de 2013

A oeste, apenas mais uma rota

Versão Público - Fugas
http://fugas.publico.pt/DicasDosLeitores/328135_a-oeste-mais-uma-rota-de-peniche-ao-bombarral

Original

Manhã soalheira, ameaçada por nuvens carregadas, desencorajadas contudo, por uma temperatura amena de um profundo, embora pouco rigoroso, outono de início de novembro. Saída da orla de Peniche após um farto e típico pequeno-almoço de hotel, no quatro estrelas quanto baste, Atlântico Golfe Hotel. Situado num pequeno complexo turístico, o do Botado, com a atração internacional do golfe nas dunas, ao som do mar. A meio caminho entre uma breve viagem de carro à marginal de Peniche, uma incursão a pé pelas dunas até à praia, nesta altura deserta, da Consolação, ou um passeio à sua vila, também a pé ou de carro, consoante a preferência e disposição. Nesta pequena povoação, para consolo, a pastelaria padaria em que o nome diz tudo, Pão Quente, para um bom lanche, e o restaurante Cabem Todos, que embora não pareça, cabem mesmo, nem que seja preciso esperar. Em Peniche a oferta é basta e variada. A famosa Tasca do Joel que infortunadamente encontro quase sempre fechada nesta época do ano. Em alternativa, a escolha recai invariavelmente sobre aquele que é quase sempre a principal opção, desde a primeira caldeirada, o Rocha. No final da marginal antes da curva à direita para o forte, à primeira vista pouco apelativo, mas descontraído, aconchegante, de boa comida e carteira.

De volta à rota, o caminho segue pela nacional, fora dos rápidos itinerários principais (IP6) e autoestradas (A8), que o tempo é de passeio e admiração, destino ao Buddha Eden, Quinta dos Loridos, Bombarral. Pela nacional N241, não a principal, mas a secundária a N241-1, para maior ruralidade. Seguem-se quase duas dezenas de quilómetros pelo planalto das Cesaredas. Separação entre o pujante oceano e o sereno campo de cultivo. Dele se avistam ambos, num cenário de rara beleza. É ir devagar e espreitar à direita e à esquerda. As cores são do azul acinzentado do céu e do mar, ofuscado ao longe pelos raios de sol, do verde da vegetação baixa de breves canaviais, oliveiras e vinhas atarracadas, do castanho forte da terra esventrada por socalcos e carreiros de cultivo bem delineados e de dimensão média pequena. O ligeiro cheiro a estrume misturado e disfarçado pelo verde das couves e outras hortaliças, temperadas em crescimento pelo ar salgado e húmido da maresia. O dia é de descanso e passeio, não para quem trabalha e colhe ou lavra a terra com o trator. O branco de casas e moinhos, os antigos e os modernos de pás gigantes para aproveitamento da energia, a alternativa eólica.  

Gigantes no jardim dos budas, são algumas estátuas e estatuetas, de cimento bruto em formato oriental com pequenos e raros laivos de cor quente da terra. Conjunto de resultado estranho, num devaneio ou capricho milionário do comendador Berardo, louvado, apesar de tudo, pelo objetivo cultural do espaço. A extensão será a ideal, não justificando a opção do comboio, a não ser pelas crianças, sempre apreciadoras desta aventura. Longe de exuberante, visita bem justificada pela agradabilidade do espaço a céu aberto.

Aberto o apetite, como sempre se ouve dizer, pelos ares do campo, tempo então de almoçar. Logo ao lado, de carro, perto do Santuário Senhor Jesus do Carvalhal onde prevalece o sossego e pacatez, o Lagar. Restaurante pequeno, pitoresco e cuidado. Ementa nada exuberante, dentro do normal tradicional da cozinha portuguesa. Vai ser um polvo à lagareiro e um arroz de pato. Antes, para entrada, presunto e uma grossa fatia de queijo. De entre uma garrafeira publicitada como das maiores da península, não a de Peniche, a Ibérica mesmo, que vinho? Só um momento. Orientação preciosa e concisa do anfitrião. Da região, Dão ou Alentejo? Região. Aberto ou encorpado? Aberto. Sai, um Quinta de S. Francisco de Óbidos. Bem escorrega com a refeição! O polvo servido em pequenos pedaços tenros, numa travessa metálica com azeite quente e alho, rodeado por batatas a murro. Simples e muito bom. O arroz de pato, desfiado, tostado, com finas rodelas de morcela e outros enchidos num arroz árabe, colorido pelo amarelo do açafrão sarapintado de passas. Para sobremesa? Duas! Um gelado caseiro de três sabores num só, mas em camadas distintas, regado com chocolate quente, e, o especial do Lagar, uma generosa taça de doce de maçã reineta escondido pela cobertura de suspiro. De suspirar! Não se dava nada por ele, tal o aspeto discreto, mas revelou-se uma combinação perfeita para a sensação de final apoteótico. Último golo, que vinho deste não se desperdiça e café se faz favor.

De barriga e alma mais do que cheia, satisfeita, o regresso faz-se pela rota que mais convier ou apetecer, pelo caminho inverso de volta à praia ou ao hotel para um mergulho na piscina interior, para Óbidos e uma ginja ou mesmo para casa que Lisboa é logo ali. A oeste, apenas mais uma das muitas rotas deste pequeno, mas adorável país.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O meu iphone caiu na canja

Embora assim possa parecer, isto não se trata de nenhuma rábula super engraçada, sobre a sociedade e o seu momento atual, metaforizada por um título… metafórico. Trata-se disso mesmo, o iphone mergulhou de cabeça na canja de galinha.

Pânico! E logo de cabeça, com o líquido a entrar pelos orifícios que controlam o som e o levam até aos auscultadores. O problema começa logo no líquido. Iphone não rima com canja. Nem com sopa. Com creme de marisco também não, mas com este o choque sociológico não é tão grande. O problema é que o iphone ficou preso no modo “auscultadores”. Mesmo sem eles. E agora?

Primeiro, rápida e desesperada limpeza com um pano, seguida da sugação do orifício, mas nada. O clássico DVL, desliga e volta a ligar. Minutos depois, aspiração, secagem com secador de cabelo e… nada! Nova sucção e pancaditas. Sem som para tudo, jogos, música, chamadas, vídeos. Só com auscultadores, sem eles, nada. Google! Que nunca será de fiar no que à Apple sugestiona. As sugestões são mais que muitas e tão parvas como as que tentara até ao momento: inserir e retirar o jack dos auscultadores umas 20 ou 30 vezes, com vídeo e tudo, em que só faltava a bolinha vermelha. Assim fiz. Nada. Colocar o iphone num saco de plástico e deixar no congelador durante 3 minutos. Sem medos! Pelo sim, pelo não, desliguei-o primeiro. Ainda fresquinho, nova aspiração. As aplicações continuaram lá todas, não foi nenhuma pelo cano e o modo auscultadores também não. Desisti. É esperar que passe, que era uma outra sugestão, antes da última e derradeira que seria ir à assistência aldrabar a garantia ou pagar um balúrdio.

Fui à minha vida. Passado algum tempo tive a necessidade de fazer uma chamada, liguei, falei, “então não íamos ver os porcos?”, ouvi “sim, parámos só nas bombas” e desliguei. No final pensei, olha, funcionou, ouvi tudo, está resolvido!

Portanto, a resolução para o problema, iphone preso no modo auscultadores, do inglês, “iphone stuck in headphones mode” é: utilizá-lo sem pensar na anomalia. Mas não se pode pensar mesmo, pois só assim funcionará! Isto vendo bem, podia ser convertido numa “ápe” ou “épe” conforme a pronúncia do inglês “app”. Qualquer coisa do género: “iphone mind reader for headphones mode stuck problem solve”. Só tem um inconveniente, o título é demasiado grande, mas podia ficar em iniciais: IMRFHMSPS. Muita forte!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Maus alunos

Na universidade, tive um professor que chegava quase sempre atrasado, mas tinha a decência de ligar a pedir para esperarmos, que ele estava a caminho, de táxi. E nós esperávamos, pois apesar do caricato da situação, e de um estudante universitário ter muito mais para fazer do que estar à espera do professor, ele acabava por ser tido em consideração. Contou ele, numa das aulas, que existiam dois tipos de alunos que se podiam distinguir, no que à maneira de responder às questões e aos problemas dos exames, dizia respeito. Uns estavam no grupo da caça às perdizes os outros no grupo da caça aos tordos. A perdiz é um pássaro com uma trajetória de voo esquiva que requer estudo e grande esforço por parte do caçador que queira exercer o seu hobbie com sucesso. A caça ao tordo, por seu lado é o oposto, manda-se uma chumbada para ali, outra para acolá, que nalgum se há-de acertar! O problema é que se percebe claramente quando se tentam caçar perdizes, como se fossem tordos, às vezes acerta-se, mas a maior parte das vezes não.
E foi esta a imagem que tive quando foi anunciado o orçamento de estado para 2014…
Diz um ministro ao outro:
“Olha, olha, vai ali um carro a gasóleo!”
“PAAAMMM, PAAAMMM, PAAAMMM”
“Acertaste?”
“Não, só estilhacei uns vidros”
“Um funcionário!!”
“A donde?”
“Às tuas seis e um quarto!”
“E já saiu?”
“Hã?! À tua direita, porra!”
“RATATATATATATA”
“Um pensionista!”
“PAM!”
“Ainda mexe, pá”
“PAM! PAM!... PAM!
“Um contribuinte, um contribuinte!
“Mas contribui?”
“Deixa ver… 3+4 vezes 3,5%, raiz quadrada… naaaaaa”
“PAM!”
Para dizer a verdade, já não tenho a certeza de qual das caças se adequa ao quê, mas que andam a caçar com pescadores ou a pescar com caçadores, disso não parece haver grandes dúvidas.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

PAN


Praça da Alegria, contorna-se pela direita e antes do cruzamento do Hotel, fica do lado esquerdo. Eram as indicações que tínhamos. Lá fomos, às apalpadelas, pois só a poucos metros se percebe que é ali. Entrámos no Jardim dos Sentidos, mas não podemos ficar a apanhar ar por causa do PAN. O restaurante é simples, com a decoração cuidada e típica de apelo espiritual de um vegetariano que se preze. Paredes em cal tosca, levemente amarelada, divisórias com arcos largos em ruínas, reveladoras de tijolo maciço fino. Luz indireta nas paredes, vela na mesa e candeeiros pequenos de ferro velho no teto só para enfeitar. Ambiente calmo, acolhedor, sem constrangimentos, mas um pouco abafado, principalmente com a porta para o jardim fechada por causa do PAN.

Para abrir, uma caipirinha com personalidade própria: blocos de gelo bem formados, ao contrário do normal picado, rodelas generosas de lima, mergulhadas em bastante líquido doce e alcoólico, num copo entre o alto e o normal baixo da caipirinha. Para contrapor um chá de jasmin, quente sem açúcar, calmante para noites tranquilas, dizia. Para picar, cogumelos no forno, com recheio de espinafres e mozarela gratinada. E o primeiro PAN! De sabor, a fazer subir a expectativa para o restante.

Para comer, lasanha 4 queijos de vegetais e bife seitan com molho master chef de cogumelos. Só pelo nome, nada de mais. Primeira garfada e… PAN! Nova explosão. Alimentada por uma breve salada com um leve molho de iogurte e um borrão de puré de marmelo picante. PAN, PAN! Fecha-se a porta e começa o discurso de 12 minutos do PAN. Partido pelo Animal e pela Natureza, o Ratatoille aqui safava-se. Sem corrente de ar sobe a temperatura e, mais um golo. Assim vale a pena ouvir um discurso político, mesmo que sumido através da porta e com as palavras “sócio económica” pelo meio. VIVA O PAN! Viva! VIVA O PAN! Viva! VIVA O PAN! Viva! Em maiúsculas, que qualquer político que o seja tem que berrar pelo menos uma vez por discurso.

Para sair, sobre a mesa, crumble quente de maçã e ameixa com gelado de baunilha. PAN! Segue a conta que não foi nada de extraordinário para o espetáculo a que se assistiu. E toca a servir os convidados do PAN que eles ainda eram muitos. Mãe quero mama, diz uma criança na mesa ao lado. PAN sempre! A triplicar (ou mais): PAN, PAN, PAN!

domingo, 31 de março de 2013

Sempre

Tenho sono e durmo.
Acordo e adormeço.
Enfadonho o Dia. Os Dias.
Sonho acordado.
Sem dormir.
Penso, vivo fora de mim.
Escrevo.
Sonho.
 
Durmo.
Acordo.
Escrevo e não morro.
Amo sempre.
 
Viajo.
Corro.
Choro.
Rio.
Durmo.
 
Sonho.
Acordo.
Vivo.
Amo sempre.
 
Invento.
Crio.
Dou e recebo.
Tiro e sofro.
Durmo e acordo.
Sonho todos os dias.
Sobrevivo, vivo.
Não morro.
 
Amo sempre.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A 3.ª Cidade

no Record...

Paços de Ferreira a capital do móvel, é por estes dias a 3.ª cidade do país. Lisboa e Porto as primeiras. Uma, a capital do imóvel, a outra, a capital da fruta. Lisboa faz jus ao epíteto com tanto e bom edifício para empregar e habitar uma quarta parte de Portugal. Vale que os níveis de cimento regressaram aos tempos poupadinhos de antes do 25 de Abril, mas não a tempo de evitar muita tonelada de paredes sem alma por falta de ocupação. A fruta do Porto é da boa e rende bons juros, “vocês sabem do que eu estou a falar”. Mas nem só dela vivem as suas gentes, o seu espírito, são o sumo, a sua vida.

Em Paços de Ferreira, a estrela do futebol chama-se Vitor. Sim, Vitor. Só Vitor. Se fosse nas capitais maiores, o Vitor era outro. Não o mais conhecido. Seria o Vitor da Silva, Emanuel ou Emanuel Cruz. Algo mais comercial e dado exposições mediáticas. Talvez por isso não tenha vindo para Lisboa. Ou para um bairro de Lisboa, como diriam os da fruta. É como o Joãozinho de Aveiro que andou uns 15 dias a pensar no nome que deveria ter na sua nova camisola verde e branca. João, João Carlos, João Graça. Acabou por manter o Joãozinho e no 2.º jogo fez uma gracinha, marcou um autogolo com as costas, a preocupação com o nome era justificada, quem sabe se com outras letras a bola não batia de forma diferente e não seguia para fora, em vez de para a baliza do Patrício (este nome é dos que não engana, está destinado).

Joga lá também o Caetano. Este já usa só o sobrenome, tem a carreira pensada para altos voos. Se fosse pelo nome próprio era apenas o Rui. Rui há muitos e o maestro ainda é o Costa. Este será mais um Barros. Meia leca, jovem, português e vice-campeão do mundo. Teve nos pés a bola que o podia ter feito campeão em vez de vice. Apesar disso, de todos os vices, será o único que não caiu no esquecimento, como caíram os outros que se estabeleceram em cidades melhores, maiores e com mais oportunidades. Mais competitivas, concorrentes, injustas e viradas para os jovens. Estrangeiros. Brasileiros, hispânicos sul-americanos, africanos ou europeus. Que não lusos.

O treinador é o Paulo. Fonseca. O estádio, o da Mata Real, que não será maior que o do Cova da Piedade. Pequeno e nada dado a megalomanias cimenteiras das capitais. Quem por lá passar até poderá ver as camisolas amarelas a secar nas cordas presas, quem sabe, em móveis em fim de carreira. Pode até já nem ser assim, mas pouco tempo terá passado em que o era. Dificilmente chegarão a jogar nos grandes estádios da Europa. É melhor assim.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Erro Informático!


O famoso inseto traduzido do inglês, portador de um qualquer vírus que não o dengue, mas nos parece ameaçar muito mais do que ele. É a causa de todo o mal. Ou grande parte. Um livro para adultos no plano nacional de leitura das crianças, serviços que não funcionam ou mal, por causa do “sistema” ou da rede que “hoje não dá nada”, um Orçamento de Estado para 2013, com medidas violentas também para os sistemas que e o implementam e correm o sério risco de o fazer mal. E sempre o mesmo, o erro informático!

São bites e bytes a circular pelo cabo, pela fibra, pelas frequências que atravessam tudo, incluindo nós, deixam-nos o mundo à distância de um clique, e a miragem da velocidade da luz transformada em realidade. Virtual. Uma revolução. Depois da industrial, a digital. Na industrial, a produção em massa com mais e melhores meios, o capital, o início da globalização, mas ainda um ritmo acompanhável. Antes da industrial, muito antes, a agrícola. Também ela radical. Trouxe alimentos, autossuficiência e uma vida nova, mas ainda saudável. Agora, a revolução da informação digital global. A tecnologia de ponta capaz de possibilitar o impossível. Se não tiver erro. Se não for um erro. O que ontem era de ponta, hoje já não é. Evolui muito rápido. Muito mais do que o ser humano consegue seguir e quando assim é quem perde é o ser. A sua capacidade de adaptação, a do humano, é distintiva entre os seres, mas nada de abusos. Diz a medicina que uma das doenças mais difícil de combater, o cancro, resulta desse abuso, das grandes, repentinas e não acompanháveis alterações do meio envolvente. No digital o ritmo é de top, alto débito de informação, exige esforço com reação imediata e constante. Absorve-nos, puxa-nos, deixa-nos corcovados, rebaixados perante o aparelho. Em vez de nos elevarmos, ficamos mais baixos. Sendo a altura média, um indicador de saúde e bem-estar, o pronuncio não pode ser bom, embora pareça, a exigência sempre foi, boa. A tecnologia é boa, o facebook até ajuda a curar depressões. Tem lógica, insere-nos socialmente, embora que de forma virtual. Aproxima-nos, mas tira-nos algum tato. Parece lógico um jornal despedir para se dedicar à versão online, mandam as audiências e as tiragens. Lógico, mas com erro estratégico. Já temos carros que andam sozinhos, mas estudos revelam que estamos menos inteligentes. Nós menos, as máquinas mais, triunfa a inteligência artificial. Deixamos de ser reais. O erro informático, é humano. Se o eliminarmos, corremos sérios riscos.