domingo, 16 de setembro de 2012

A vida que nunca tivemos?

Cerca de 600 mil reclamaram ontem nas ruas, na maior manifestação em Portugal após o 25 de Abril, contra as mais recentes medidas do Governo. Muitos milhões seguiram solidariamente onde quer que estivessem. Outros tantos terão pelo mundo fora notado, mesmo que por breves segundos, que algo de importante se passava neste nosso canto. No espaço de uma semana, a era global da informação permitiu através de um único meio – o Facebook – a mobilização de quase um milhão de pessoas (se juntarmos os portugueses que além fronteiras se manifestaram, não deve andar longe), sob o lema: “Que se lixe a Troika. Queremos as nossas vidas”. Simples, direto, assertivo. As nossas vidas! É disto que se trata.

O que têm sido as nossas vidas? Até há pouco tempo atrás, Portugal era um país bom para viver. Os que pouco ou muito pouco tinham, iam-se safando, os que tinham alguma coisa, safavam-se e os que tinham muito safavam-se à grande. Até os que lá fora nada tinham para cá vinham. Agora fogem para os seus países e nós para os deles. Os que têm muito já partiram, os que têm alguma coisa, perspetivam cada vez menos e são forçados a ir, os que pouco têm, arriscam-se a nada ter e, são cada vez mais os que nada têm. Dizem-nos agora que vivíamos acima das nossas possibilidades. Após o último auxílio do FMI ao nosso país, há sensivelmente 30 anos atrás, seguiu-se a entrada na CEE e desde então foi sempre a subir. Vertiginosamente, sem olhar para trás, nem para a frente. Fomos inundados por uma onda de benefícios e facilidades, que naturalmente aproveitámos sem grande orientação ou caminho definido. Subsídios, fundos, créditos e apoios. Para gastar. Sem estratégia de ninguém. Cidadãos ou Estado. Todos comeram! Agora a vaca secou, mirrou (pelo menos para alguns) e pior exibe-nos a conta, percebemos que temos sido enganados e iludidos por facilidades aparentes e perniciosas. Antes do FMI em 1983, vivemos a pós-revolução com o desnorte e dificuldade normal de quem se liberta do totalitarismo, de uma ditadura autoritária e repressiva, espelho da falta de liberdade e condições dignas para viver. Antes disso as perturbações das primeiras repúblicas. Não tínhamos as nossas vidas, como não as temos agora.

A vida que vamos ter nunca a tivemos. Vasco Pulido Valente escrevia hoje no Público, sob o título “Ano II da era da crise”. Da minha curta existência, para mim será o ano 30 e qualquer coisa da era da ilusão. O que tentamos ver pela frente chega em forma de ajuda tripartida com um custo indecente de pobreza somado de juro nada solidário, que só nos afundará mais. As alternativas que poucos nos sabem explicar, apontam para a renegociação de dívida rompendo com os que nos amarram, mas aumentado o risco de bancarrota. Que aliás nos tem acompanhado ao longo da história. O que custa é olhar para trás, mais até do que para a frente, e perceber que afinal raramente tivemos verdadeiramente as nossas vidas. Mais do que as nossas vidas queremos um rumo, uma identidade de futuro que não o imediato. A navegação à vista, deu resultado nos descobrimentos, há 500 anos atrás. E já aí demonstrávamos arte, engenho, competência, coragem.

sábado, 8 de setembro de 2012

Pesadelo

Acordei e não era um pesadelo. Fui-o comprovando na rua, na padaria, no café, na papelaria, na praia onde o sol teimosamente se descobriu no nevoeiro. As pessoas estão tristes e revoltadas, a pobreza ainda não é total e absoluta mas está prometida e novamente anunciada. A esperança é crescentemente vã e desvanecida, tal como o horizonte que não se vislumbra na névoa e se mantém encoberto na austeridade das políticas que nos impõem e tolham.
Ontem o dia estava quente e húmido, estranho e desajustado de um período de retoma de atividade após época de férias. O país consome-se nas notícias e nos incêndios devastadores. O BCE até vai começar a comprar ilimitadamente a dívida e as bolsas subiam como já não era hábito. Presságio e engano. O primeiro-ministro ia falar ao país meia hora antes do jogo de Portugal no Luxemburgo. Finalmente seria conhecido o tão aguardado resultado da avaliação do 5º exame da troika. O otimismo e esperança pessoais foram praticamente desfeitos com o pré-anuncio de austeridade e a desconfiança dos exames de 2ª época, que nunca foram de fiar. O resultado ouvi-o então na rádio. Falou, anunciou, destruiu. Uma terrível machadada! Aos euros de roubo no ordenado somaram-se a descrença, o desânimo, a desmotivação, o desacreditar. Calou-se, 5 minutos de análise dos comentadores e, chega. Pois a bola já rolava. Uma volta completa pelas frequências radiofónicas e nada de austeridade: música para alegrar e o relato para distrair. Golo dos amadores luxemburgueses, sobre os tristes burgueses de Portugal. Só podia ser pesadelo! Será que a troika encena tudo isto?

O pesadelo temo-lo vivido, não ontem, mas nas últimas décadas. Só que em forma de sonho. Que pior do que viver na ilusão, no engano de uma falsa prosperidade, governados pelas mentiras, más políticas e oportunismos de uma classe e sistema orientados por interesses de uma minoria que quer controlar e manipular em seu benefício? E assim continuamos com remendos, ou remédios austeros num sistema económico e financeiro mundial obsoleto e disfuncional. Equidade entre empresas e trabalhadores, só nos ideais supostamente utópicos do comunismo. Equidade numa taxa igual, transversal e cega para todos, só em teoria, na prática sem solidariedade. Equidade só se for no aproximar dos salários baixos ao desemprego.

Temos que acordar!

PS: No meu pesadelo que foi bem real, ainda antes do pré-anuncio fui multado e bloqueado pela EMEL numa brincadeira de 90 euros. O que, vistas bem as coisas é um mal menor, mas que contribui para a depressão final. Mais um exemplo de como muitos males menores, se assumem cada vez maiores e nos vão deitando a baixo...

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Mercado da Ribeira

publicado no site do Record http://www.record.xl.pt/opiniao/leitores/interior.aspx?content_id=776579

Abre às 6 e fecha às 15. Ou abria, já teve melhores dias e agora é um ponto turístico, mas enquanto funcionava, toda a gente conhecia as regras. Agora, o mercado das transferências futebolísticas é um verdadeiro “salve-se quem puder”. Há mercados regulamentados, mas este não se pode dizer que o seja, apenas por ter definidos dois períodos temporais em que se podem fazer transações. De jogadores. No verão e no inverno. A lei é só uma: milhões de euros. Muitos. Quem tiver mais, ganha. Ganha porque compra e não deixa mais ninguém comprar.

Estamos em crise, não há dinheiro e a grande maioria dos clubes compra muito pouco. Nada se passa, até que, intencionalmente, no último dia, 2 ou 3 clubes-império assediam o que há muito tencionavam assediar. O poder negocial dispara e impõem a sua vontade à força dos milhões que acenam numa mão aos clubes e jogadores. No pulso exibem o relógio em contagem decrescente. Finalmente há dinheiro e o mercado agita-se. Os clubes que recebem, logo pensam em investir e reforçar os planteis, acabadinhos de desfalcar. Tarde de mais, o mercado fechou! Mas o quê? Já?! Não calma, na França, Turquia e Rússia continua aberto. Ah bom! Bom, mas para quem tem dinheiro! Outra vez não! Agora ainda é melhor para quem compra. Pouca concorrência e ainda bons artigos. É só tirar 40 milhões de um bolso mais 40 do outro e esperar pacientemente. Qual frio, qual ambição, qual glória, qual quê! “Onde se assina?”, perguntam Hulk e Witsel. E o que fazer com 60 milhões no bolso e as calças na mão, Benfica? Nada. O mercado já tinha fechado. Quem até se foi precavendo, o Porto, terá menos danos, quem não o fez resta-lhe aguardar pela humilhação na Luz com o Barcelona. A época passada ficaste em fevereiro, nesta não chegas a outubro. O Vieira podia ter feito mais? Apenas antecipar-se com um pseudo-substituto contratado atempadamente, ou com uma renovação que até foi tentada em cima da hora. Mas não há nada que vença os litros de milhões do gás russo. Espero que também sirvam para o aquecimento central!

Quem tem dinheiro salva-se. A feira da ladra talvez seja mais leal. Este mercado é uma ladroagem! É por isso que eu agora só vejo a segunda liga e o Benfica B: não há mercado nem contratações de jogadores influentes à última da hora, jogam os jovens e outros reforços que nunca puderam mostrar valor, os jogos são transmitidos em sinal aberto na isenta Benfica TV (e não nos chulos da SportTv ou nos míopes da TVI que não sabem distinguir jogadores) e melhor que tudo, o Porto não ganha, está apenas acima da linha de água e mesmo que fosse campeão nem à europa ia.

sábado, 1 de setembro de 2012

RTP e 2ª época de exames-troika

Evidentemente fará sempre confusão a privatização de um serviço público tão facilmente exposto às guerras e às pressões comerciais das audiências. Primeiro há que perceber, faz sentido privatizar? A RTP até não dá lucro? Dá. Mas é cara. Mas dá lucro! É difícil de entender, mas admitindo que faz sentido, e uma vez privatizada, um dos riscos será perder o serviço público, e nesse cenário, reconhecer o erro e recuperá-lo. Em termos lógicos, parece-me que até seria mais fácil fazê-lo com uma concessão. Assim de repente e ainda influenciado pelas férias, as praias também são concessionadas. Aí é fácil controlar, até se pode por o nadador salvador a cobrar os toldos e a impedir que sejam colocados chapéus de sol no horizonte. Quem pode, quer, paga e usufrui de uma boa praia, quem não pode ou não quer, arranja praia de segunda, compra gelados e vai ao wc do concessionário. O mesmo que paga o servidor público – o nadador. Se até na praia é difícil definir quantos nadadores por metro são precisos, pior será definir serviço público de televisão e em que quantidade, num canal que está longe de ser uma praia. Portanto, quem não gostar do serviço público concessionado da RTP1, terá que se contentar com serviço público na RTP2. Isto se o canal se mantiver, o que não é claro, como não é nem nunca foi claro, o porquê da privatização. Porque o Relvas prometeu a alguém? A quem? Porque a troika disse? Mas o que é que a troika sabe? Aplicar programas, que muitas vezes não encaixam na grelha.

A troika está cá para mais um exame. Toda a gente sabe que Agosto não combina com avaliações e exames, e só isso é razão para alarido. Pior ainda quando se sabe que a avaliação será negativa. A não ser que o avaliador não olhe apenas aos números deficitários, mas também ao texto e ao contexto, o que até já fez com outros países, que por terem fama de alunos bem comportados, foi-lhes concedida essa benesse. É aguardar sem histerismos. Antes histéricos do que amorfos, abatidos e resignados. Mas não posso deixar de opinar que tudo isto estará também empolado pelo stress pós férias-crise, que explico no post anterior e já agora completo: a alucinação também será um sintoma, é que a Administração da RTP caiu, mas o Relvas continua...

Stress pós férias-crise

Já era conhecido o stress pós-férias, que não é mais do que o nome pomposo para ressaca e preguiça depois do descanso. É este o estado geral da sociedade portuguesa, nesta altura do ano. O que safa é haver ainda pouco trânsito. Os sintomas são claros: ansiedade, cansaço, tristeza, mau humor, insónias. E como estamos em crise, as férias onde é suposto descansar dos deveres e obrigações quotidianas, foram diferentes. Com a crise, as férias foram cá dentro, é o mesmo que dizer que fizemos férias nela, com ela ou dentro dela. Da crise entenda-se. Nas férias o português arranja sempre forma de contorná-la e de certa forma esquecê-la, o que até confere o sentimento de realização pessoal. Não dá para ir para fora ficamos cá dentro, não dá para ir para o Algarve, ficamos na Costa, não dá para ficar no hotel ficamos em casa e comemos fora, não dá para comer fora, fazemos o farnel e levamos para a praia, não dá para comprar de marca, compramos da marca do supermercado. E isto cansa. De um dia para o outro as férias acabam e apesar da crise ter estado sempre presente na lancheira, voltamos ao trabalho e deixamos de a conseguir contornar. Lá se vai a realização pessoal do desenrasque. O stress pós-férias é assim agravado pela crise, dando lugar ao stress pós férias-crise que é trinta vezes pior. Estamos sensíveis e perante qualquer acontecimento, faz-se um grande alarido e entra-se em histeria. São estes os dois sintomas que distinguem um stress do outro: alarido e histeria.