domingo, 23 de dezembro de 2012

O Ingrediente Desenrasca

Uma cebola e meia e dois dentes de alho picados em azeite para o refogado. Um lata de tomate pelado despejada. Sal, meio caldo de Knorr, tudo mexido e deixado a cozinhar. À falta de peixe fresco, que seria sem dúvida melhor, banham-se em água quente, 4, 5 ou 6 (depende da clientela) lombos de pescada congelados da pescanova, antes de seguirem para o tacho e para que não o façam em pedra. Sal, pimenta e, não havendo pimento, pimentão-doce a colorir cada um deles. Sem louro para aromatizar, salsa picada da margão dispersa. Tampa durante uns minutos. Envolve-se tudo e rega-se com quase um pacote pequeno de vinho branco e dois ou três copos de água, mais uma pitada de sal e tampa novamente para mais uns bons minutos. Lombos partidos com a colher de pau. Camarões congelados em fim de embalagem juntos ao cozinhado e mais água, para um abundante caldo. Alguma fervura depois, a massa cotovelo, já cozida e perdida em basta sobra no frigorífico. Nova e breve fervura. Em cru, mais demorada, mas sem deixar empapar. No final exigem-se coentros a cobrir, na sua ausência umas folhas de salsa com frescura de meia dúzia de dias.

Não tenho nada contra o Ingrediente Secreto e até sou fã, mas se há coisa que chateia em programas de culinária, é ser necessário ter um supermercado em casa para desenrascar um bom prato. Esta massada, a minha, a nossa, de peixe, não será um manjar de requintado sabor, mas estará bem longe de uma refeição frete. Para mim, servida bem quente num prato de sopa, com bastante caldo, pão ou tostas a acompanhar. O piri piri, só no prato por causa dos putos. Também para eles, podem-se juntar umas delícias do mar já perto do final da última fervura. Para beber pedia-se um verde, mas, mais uma vez, apenas havia um resto de meia de Monte Velho tinto. Este prato poderá também pedir verão, mas quem se chateará num Natal primaveril como este?


E por falar em peixe, dias antes, em noite menos amena, de alguma chuva, com o tal ingrediente secreto que não descobri, um excelente arroz de garoupa na Tasquinha do Lagarto em Campolide. Bem fácil de encontrar foi o picante bomba, doseado à gota e ao gosto e coragem de cada um. Para apagar o fogo, um bom verde da casa, condizente com a decoração maioritariamente leonina. O Benfica até foi perdendo na TV em Olhão, mas virou já no final, ficando o consolo para a Tasquinha esgotada, de tão boa iguaria servir, nesta historicamente definhada época do lagarto.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Braziu

Há 7 anos, também em novembro, mas com muito mais calor do que em Paris, foi assim:
Faz hoje 8 dias estava eu numa praia distante, ao sol, a secar a água salgada no corpo e a observar a arte do voo de um passarão que pesca no mar, mergulhando literalmente após uma descida a pique. No dia anterior, à tarde, o mergulho foi diferente. Um baptismo na Ilha Rata, uma das secundárias. Não houve descida a pique, apenas cerca de 10 metros abaixo da linha de água e uma grande subida no nervoso miudinho. A confusão das bolhas de ar que saem, ao se expirar pelo bocal por onde se respira, e parece que nos vão arrancar a máscara da cara, logo se esquece mal começamos a conviver naquele ambiente submerso. 30 minutos foi pouco, mas deu para ver uma moreia bem grande, uma raia-manta de meter respeito, de tal forma que me imobilizou completamente quando passou poucos centímetros abaixo de mim, um cardume enorme no qual me deu vontade de entrar. Mais uma série de outros peixes das mais variadas cores e tamanhos. Um dos quais defecou duas vezes à minha frente. Faltou o tão desejado tubarão. De manhã, outra sensação de voo. A cerca de 100 metros da Praia do Porto, após alguns minutos de snorkeling, eis que surge no campo de visão, uns bons 8 metros na vertical um navio grego naufragado! Mais peixes por entre destroços e apenas o som da respiração pelos poucos centímetros do tubo que nos ligam ao ar. Depois o regresso de novo à areia após alguns minutos a dar às barbatanas sempre com os olhos à procura de algo que mexa. Tempo para descansar as pernas do cansaço acumulado e sentir uma chuva passageira. Tão passageira que mal acabou já estava tudo seco, outra vez. O cansaço a sério começou na tarde do dia anterior, na Praia do Sueste. Toca a meter o equipamento, máscara, tubo, barbatanas e pernas. Segundo o guia, também equipado, "nadamos 300 metros na direcção daquele areal e pode ser que se veja alguma tartaruga". Mal meto a cabeça na água, uma raia, esta mais pequena. E lá seguimos a nadar, com excepção para o "nipó-brazuca", que apesar ser mergulhador credenciado seguiu sempre em pé e de costas, arrastando as barbatanas pelo fundo coberto de vegetação. Alguns minutos depois com o tal banco de areia ainda distante e o cansaço já a pesar, eis que: "por aqui, está aqui uma". Uma tartaruga, com cerca de 70 centímetros de comprimento a nadar a outros tantos de distância de nós. De parar a respiração. O acompanhamento e aproximação era fácil de manter, quase até ao toque, tanto que não resisti e toquei ao de leve na carapaça. Consegui-me esquivar à reacção de defesa, do ataque com a boca em forma de bico. Lição percebida. Entretanto, muitas outras se cruzaram no caminho, e o frenesim continuou sem a preocupação do cansaço, apenas no contemplar e na tentativa de capturar uma boa foto. Uma hora ou duas, e muitos metros depois, o regresso ao ponto de partida, quase sem pernas, já sentado à beira mar no balanço da pouca ondulação, de novo com a chuva, mas com a certeza de uma experiência única, claramente superior às expectativas. O melhor fim para o primeiro dia a sério. Um dia que se iniciou de buggy com o guia a começar pela Praia do Sancho, vista a 50 metros de altura, com acesso por mar, ou por escadas entre fendas na falésia. O nosso. E aqui a primeira experiência de snorkeling, algo atabalhoada pela habituação à respiração pela boca. Pequeno pormenor de imediato esquecido, mal se atravessam no nosso nariz os primeiros peixes. Curiosos e sem medo. A atrapalhação inicial dá lugar a muitos minutos de observação. A temperatura da água assim o permite. De seguida a Baía dos Porcos, muito pequena e de difícil acesso, a pé por entre as rochas nitidamente de origem vulcânica. Algumas pareciam acabadas de solidificar. Grandes gotas de uma massa espessa, que por ali escorreu. Depois do almoço, a Praia do Leão, também vista de longe, pois quase todas as praias têm o acesso por trilhas. Naquele dia apenas dois cavalos procuravam o banho. Uma praia interdita durante os meses de desova das tartarugas (Dezembro a Junho). As mesmas que quando crescem vão vivendo na praia ao lado, a do Sueste. A tal onde o dia culminou em grande. O mesmo não se pode dizer do início do dia anterior, o primeiro na ilha. Aterramos cedo, 9 da manhã após uma hora de voo de Natal. A volta aérea antes da aterragem prometia para os 3 dias seguintes. Infelizmente tal não se verificou, nesse dia. A Tati adoeceu. Acordamos em Pipa eram 3.30 da manhã, e o corpo ressentiu-se. Depois o impacto das condições menos confortáveis de um ambiente mais seco e rudimentar. Acabou de passar a época das chuvas e não choveu, e o que se segue é a época da seca. O único açude de água doce está seco e todo o abastecimento é feito através da dessalinização da água do mar. À noite, após a recuperação da Tati, lá fomos à palestra conhecer mais da ilha Fernando de Noronha. A 300 Km de Natal, pertence ao estado de Pernambuco, dois ou 3 estados mais abaixo longitudinalmente. Politiquices. Descoberta por Américo Vespúcio em 1503, numa expedição financiada por Fernão de Noronha. Nunca lá pôs os pés. Actualmente são 26 km quadrados, com uma estrada principal alcatroada de 7 Km. Construção à beira-mar ou relativamente perto, nem pensar, e a protecção ambiental é lei. Nesse aspecto os brasileiros são bem mais evoluídos. Matar tartarugas é crime, punível por lei e sem caução. Não só na ilha como em todo o Brasil. 30 reais por noite é a taxa de preservação ambiental na ilha. O número de turistas é limitado, até porque apenas há um hotel e algumas pousadas de luxo com diárias com preços proibidos. Muitas pousadas familiares, com preços mais acessíveis mas apenas meia dúzia de quartos cada. Foram 4 dias muito bons. Antes, uma semana, mais turística em Pipa a cerca de 80 Km de Natal, a capital do estado do Rio Grande do Norte. Um hotel (Ponta do Madeiro) muito bom, numa falésia, com acesso à praia por 196 degraus. Uma das mais belas que já vi. Quase deserta e selvagem, finalizada numa baía, com os golfinhos que lhe dão o nome, devido às visitas diárias para uma refeição. Destaco o passeio de buggy à beira mar, até às dunas móveis em Natal. Ontem peguei no livro do Miguel Sousa Tavares, "Sul - Viagens" e por não saber onde tinha ficado a leitura, abro por acaso no capítulo "Nordeste - essa praia não tem fim". O gajo (para não lhe chamar outra coisa, tal é a inveja) fez uma viagem de buggy de Natal a Fortaleza, durante 1000 Km, com 90% de praia. E tal como ele acaba esse capítulo, também eu várias vezes pensei, o que teriam pensado os portugueses quando desembarcaram pela primeira vez nas praias do Brasil. E como disse o "bugueiro": "Êta, Braziu grande como à porra".

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Paris em 2 dias (3 de 3)

Em jeito de itinerário turístico e porque me deram bastante jeito as sugestões cibernéticas, aqui ficam as minhas impressões do nosso percurso em Paris. Quem sabe se também não serão uma ajuda para alguém.

Dia 0. Ficamos na zona Staint-Michel-Notre Dame, Saint Severin num hotel com o mesmo nome. Recomendo. A chegada de comboio subterrâneo leva-nos para uma emersão abrupta no meio de um cartão de visita: Catedral Notre Dame. Por muito que se tenha evoluído, e existam vistas de rua no Google, nada se compara ao estar lá e ter o sentido de estar perdido com um ligeiro atordoamento de toda a envolvente, os edifícios históricos, o rio, a ponte, a ilha. Depois de largadas as malas e como o sol desaparecia rapidamente, de novo para o comboio com destino ao ícone maior: Torre Eiffel. A primeiríssima impressão até nem foi assim tão impressionante, mas com a aproximação, o céu num límpido azulão de início de noite, a torre iluminada de amarelo e crescente a cada passo, as toneladas de ferro parecem ter íman. Não se desvia o olhar e só paramos quando ela nos cobre. Um crepe com chocolate e outro com mel para aquecer. O rio sempre presente. As filas intermináveis levam-nos a atravessar a ponte e subir ao Trocadero e de novo a torre, no centro, avistada de local com engenho milimétrico para nos ombrearmos e iludir com a possibilidade de a agarrar com a própria mão. Já de regresso ao Quarter Latin para jantar num dos muitos restaurantes das movimentadas ruelas desta zona. Sopa de cebola em todos os menus. Não fiquei fã, ao contrário da Tatiana.

Dia 1. Depois da entrada rápida no interior da catedral do corcunda, segue-se o Hotel de Ville. Imponente, telhados íngremes, escuros, caraterísticos, numa praça larga apenas agitada pelo som da brisa forte nas árvores. Manhã cedo. Fria, cinzenta, céu baixo e carregado, gotas de chuva aqui e ali, algumas rajadas que desarranjam o cabelo, ruas sossegadas e apenas ocupadas pelo tempo desconfortante. Pouco convidativo mas, para mim, o ideal para a viagem à época sombria e inóspita da Idade Média. Seguimos para Este pelas ruas do bairro Marais até Place des Vosges. Apanhamos o metro para poupar as pernas, pois o dia é longo, e invertemos o sentido rumo ao Louvre.

A saída da estação leva-nos para a fila da entrada. Perto de uma hora para o conseguir, com compra do bilhete incluída. Podia ser pior. Mapa, orientação e resistência para explorar os 3 pisos de museu. Estátuas, estatuetas, espadas, joias, jarras, tapetes, carpetes, utensílios, quadros e mais quadros de toda a parte numa vasta coleção. Até ao quadro dos quadros: Mona Lisa. Ir a Paris tem que significar obrigatoriamente visitar o Louvre. Dá para meio dia, nós despendemos perto de 3 horas, porque o corpo já reclamava, o sol chamava lá fora e o almoço também.

No Jardim dos Tuileries, curta paragem para descansar, aquecer o estômago com baguetes e croissants do Paul, que está em todo o lado, o rosto com o sol intimidado por nuvens teimosas e a alma com um café expresso de 2 euros por ser de levar, para ficar seria mais 1. Continuando para Oeste, o jardim termina na Praça da Concórdia, larga, agitada pelo trânsito em redor do obelisco e de duas fontes, à esquerda uma das inúmeras pontes de curta distância sobre o Sena, esta também da Concórdia, bem larga, com vista para mais um palácio.

Segue-se, uma das avenidas mais famosas do planeta: Campos Elísios. Umas primeiras centenas de metros verdes que antecedem a azáfama. O sol segue baixo e demorado no horizonte, talvez um dos motivos para a multidão que se passeia por esta zona da avenida, autêntico centro comercial a céu aberto, onde se torna difícil progredir. Termina-se em mais um marco: Arco do Triunfo. Nova paragem, desta feita deitados mesmo numa das laterais do arco, motivos: descanso e sol. No seguimento da avenida ainda avistamos La Defense, mas cortamos pela Kléber em mais uma caminhada até ao Trocadero e, de novo, a torre. Fotos e mais fotos, vários casamentos com noivas arreganhadas, um grupo de dança de rua com boa mexida dance dos anos 80. Mais uns crepes para recarregar  baterias e corda aos sapatos pela margem direita do rio até Pont D’Alma. Bateaux Mouches e cruzeiro noturno a descoberto, mas com fatiota à pescador do Mar do Norte, pelo Sena com os vários monumentos iluminados. Outro programa obrigatório.

Dia 2. Manhã mais cinzenta e chuva um pouco mais persistente. Pequena incursão a pé para Sul. Domingo no seu início como tantos outros, calmo e com pouca gente. Panteão, universidade Soborne, Jardim Luxemburgo pouco povoado, um grupo de turistas, atletas matinais e dezenas de cadeiras de ferro, verdes, vazias para dias de relaxe ao sol. Metro, que o dia anterior fez mossa. Para Norte, chegada a Montmart para a visita a mais um ponto a não perder: Basílica Sacré Couer e bairro envolvente. Escadaria, numa encosta elevada que permite uma visão sobre boa parte da cidade. Aqui teria preferido o sol em vez do frio, chuviscos e vento cortante. No interior da basílica bem mais aconchegante, decorre a missa dominical, o que não impede os turistas de circundarem todo o recinto, dentro do silêncio possível. Nova oportunidade para descansar enquanto decorre a homilia. Place du Tertre, pequeno largo onde se pinta tudo e mais alguma coisa, apesar da humidade.  
Continuação pelo bairro e uma das ruas mais famosas, Lepic, morada do café da Amélie, que não visitamos. Avistamos sim o Moulin de la Galette, antes da ponta final da rua. Aqui já se sente a vivência de um bairro típico, com todo o comércio e agitação das compras matinais de domingo, pão, fruta, legumes, chocolates, bolos, em pequenas mas cuidadas lojas de rua, e de novo o Paul, mais baguetes e croissants. A rua termina no Moulin Rouge, e na avenida do red district de Paris, Boulevard de Clichy. Depois de breve paragem, longa e nada rentável caminhada para Sul. Já com sol aberto passamos pelas galerias La Fayete fechadas por ser domingo. Ópera e paragem para cappuccino e chá quente. Nova praça, Vendome, rodeada pela alta costura. Ironicamente damos por falta do impermeável da Tatiana. Nova igreja, em forma de templo clássico grego, Madeleine, com pequena escadaria a partir da qual se percorre sem andar, apenas com olhar frontal, a Concórdia, obelisco, ponte, palácio Bourbon e cúpula dos Invalides.
Para onde seguimos, mas apenas avistamos da Ponte Alexandre III. Já sem grandes planos, desperdiçamos a oportunidade que o primeiro domingo do mês oferece para visita gratuita aos museus d’Orsay e Rodin. As pernas não ajudaram à decisão. Entramos no metro, duas mudanças de linha, percursos labirínticos nos túneis das estações e ligações. Sem grande beleza não deixam de ser interessantes pelo emaranhado e longevidade aparente, talvez o mais parecido com os tuneis dos esgotos, também visitáveis. Alguns minutos depois, poucos para a distância, estamos na ponta Este da cidade já bem fora do centro, e saímos com entrada direta para o cemitério Pére Lachaise. Imensidão fúnebre de última residência de várias celebridades, com direito a mapa e tudo. Fomos em busca do mais famoso com a campa mais discreta e escondida: Jim Morrison. Local também onde alguns, visitantes, desfrutam do pôr-do-sol. Regresso ao hotel e tempo para mais um crepe. Pequeno passeio à noite pela zona Saint-Michel.

Mais Meio dia. Última manhã, com nuvens sem chuva, mas mais frio. Passeio calmo pelas redondezas em dia de fecho de museus, descoberto da pior forma: nariz na porta do Carnavalet. Regresso pela ilha Saint-Louis, residência de privilegiados e pouco mais, no passar do tempo para a despedida, na submersão para o comboio de regresso. Não teremos visto tudo, o que não passará de mera desculpa para um regresso certo. 

domingo, 25 de novembro de 2012

Musée d’Or (2 de 3)

Fiz como o Sócrates, pirei-me e fui desanuviar. Está visto que fui a Paris. E resulta, em poucos minutos e durante alguns dias esquece-se por completo tudo o resto. A cidade faz jus à fama e somos completamente absorvidos por ela. Dá vontade de andar todos aqueles quilómetros para trás e para frente, rio acima, rio abaixo e simplesmente apreciar. A cada rua, caminho, esquina, paisagem, brota cultura, misticismo, história e arte. Um património de valor incalculável, percebe-se estimado e rentabilizado pelos franceses. Milhões e milhões de turistas e euros a circular. Ininterruptamente. A vaidade e exuberância francesa de outros tempos foi preservada, até um paralelepípedo chamado de obelisco que roubaram aos egípcios lá está, em substituição da guilhotina, erguido na praça que ironicamente se chama de concórdia. A própria guilhotina para lá deve estar, eu não a cheguei a ver. Vi muitas outras coisas e dei comigo a pensar, e nós? Com séculos e séculos de história com o mais variado recheio, não teríamos o suficiente para fazer o equivalente a centros comerciais de museus? Espera, isso já temos. Não teríamos o suficiente para fazer estádios de museus? Isso também. Não teríamos o suficiente para fazer autoestradas de museus? Outra. Aproveitando a deixa do Miguel Sousa Tavares, não teríamos o suficiente para fazer Alquevas de museus? A quantidade de quitangas que os nossos descobridores arrecadaram (roubar era para outros), daria certamente para algo mais do que apenas especiarias. Não que despreze as especiarias, têm a sua função, mas para o turismo, não será fácil convencer um turista, dizendo-lhe que há por cá bom petisco.

É certo que temos outros atrativos de grande valor e características únicas, mas quanto a museus, Portugal, estando longe de ser um zero, podia ser muito mais. Teremos passado suficiente para vários Louvres. Segundo se diz, desbaratamos quase tudo em ouro. Temos das maiores reservas de ouro do Mundo, pelo menos relativamente ao nosso tamanho. Em termos absolutos somos 14º. Em termos práticos pouco vale, apenas chega a cerca de um terço da ajuda total do resgate atual do FMI. Então, se não temos total liberdade para o vender, nem isso adiantaria grande coisa, sugiro que se crie o museu do ouro. Sempre tive curiosidade em saber se ele existe mesmo em forma de barras, ou como uma qualquer gruta pirata, num mar de joias. Seria algo grandioso, imagine-se uma sala longa e no centro, protegidas por uma redoma de vidro à prova de roubo, toneladas de ouro em barras ou joias, todas amontoadas e acessíveis, à vista, dos visitantes. Para mim seria brilhante! E para completar o quadro, num dos topos, qual guardiã, o retrato pintado da Merkel em pose Mona Lisa.

sábado, 24 de novembro de 2012

Gioconda (1 de 3)

Nunca vi tamanha adoração por uma senhora. Pintada. Vêm de todo o lado só para a ver e fotografar. Pintada num quadro. Enclausurada numa redoma de vidro para não se estragar nem ser importunar com o ambiente à sua volta. Impávida e serena como se nada fosse. Os peregrinos amontoam-se, esticam-se, com olhares e objetivas apontadas. A agitação é tanta que a apreciação dispersa-se nela própria, em vez de na obra. De refinada arte, dizem!


Acabei por não a analisar convenientemente, nem terei conhecimento suficiente para o fazer. Despreocupada e desinteressadamente, poderá parecer nada de mais, mas a senhora tem mais de 500 anos! Mal ela imaginaria que ficaria famosa ao ponto de vir gente de todo o mundo para a admirar, depois de séculos de tropelias, onde se contam raptos, mudanças de residência e tentativas de agressão. Sinceramente, como mulher não é nenhuma obra de arte, um rosto que não sendo feio, não é nada bonito, um decote bastante discreto, roliça e de felicidade contida. Ao vivo passou-me ao lado, apesar de a ter tido meia dúzia de metros à frente. Agora percebo que a devia ter visitado mal entrei em sua casa, o desgaste e saturação das pernas e cabeça, provocado pelos inúmeros focos de interesse das várias salas, pisos e recantos do seu museu, espaços esses onde, em contraste reina a calmaria, superiorizou-se à azáfama da multidão de cabeças e corpos concorrentes ao avistamento.

Especial será sem dúvida o facto de ter sido criada numa época longínqua, comprovando que o génio, não depende do tempo. Sem certezas do que digo, é bem possível que tenha revolucionado o conceito de retrato. Mas mais do que a técnica empreendida, o fenómeno será tudo o que até agora movimentou e continuará a movimentar à sua volta.

PS: bem que um artista português qualquer, ou um de renome como a Paula Rego, podia ter aproveitado a visita da senhora Merkel a Portugal para lhe pintar um retrato, nada garante que daqui a uns séculos não viesse a ser a Mona Lisa II, exposta num museu qualquer português.

domingo, 18 de novembro de 2012

Like Music

Existe por aí um fornecedor de TV que eu agora não posso dizer o nome (ou não me apetece), mas adianto que começa por “M”, acaba em “O” e no meio tem a letra “E”, que mesmo sem ter a concessão de serviço público, já o exerce. Isto de o serviço público cair na mão de privados ser um perigo, devido ao risco de tal serviço não se efetivar, ou não ser suficientemente bom, é uma grande balela. O serviço público é tão bom quanto for o produto que se promove e a forma como a promoção é feita. O “marca do fornecedor” Like Music é disto um grande exemplo.

A música, como em qualquer cultura, é um elemento fulcral que deve ser preservado, divulgado e fomentado por um digno serviço público de televisão. É isto exatamente que o Like Music faz. E muito bem. O produto, a música portuguesa, é excelente, a promoção inovadora, original e eficaz, e o serviço público resulta em excelência. A ideia é simples, e como em muitas coisas é das ideias simples que nascem grandes invenções. Uma banda ou um artista a solo, em ascensão ou de créditos firmados, um concerto ao vivo, mas sem público. Aplausos, isqueiros, saltos e pedidos de encore, mas sem público ao vivo. Público confortavelmente instalado em casa, na sala, cozinha, quarto, sofá ou cama, sozinho ou acompanhado, comando sempre na mão, mas sem música ao vivo. TV, box ou computador, fibra ótica pelo meio e está o espetáculo montado. A música começa, o público vê, ouve e sente, aplaude, salta, dá à chama e pede mais, pelo comando ou rato, os artistas sentem e puxam pela contabilização das reações, leem e respondem, ao vivo, aos comentários do facebook. Numa pequena sala de concertos, a plateia é o mundo de interação virtual.

Nunca será este um concerto ao vivo em toda a sua plenitude, mas a vibração está lá. Que o digam Blasted Mechanism, os últimos que por lá passaram, terminaram extasiados após louca atuação e maratona de incentivo ao record dos 800 mil aplausos. Antes deles David Fonseca, Filipe Pinto, Wraygunn, Jorge Palma, Nu Soul Family, Amor Electro, entre outros. Vale a pena entrar, à boa maneira portuguesa, é de borla e basta clicar. No próximo dia 26, Aurea, valerá a pena ver. E ouvir também.

sábado, 6 de outubro de 2012

Palavras para quê? (parte 2)

Não resisti e tive que escrever umas palavras. A imagem é a caricatura perfeita de um país que se encontra na situação que se conhece, comemora a implantação da república, longe do povo, num feriado com extinção prometida. Pela situação que se conhece. A Bandeira não foi hasteada simplesmente ao contrário. Militarmente quereria dizer que o inimigo estaria próximo e estavamos em perigo, mas não estamos em cenário de guerra, militar, apesar de até essa já ter sido uma hipótese mais remota. A bandeira está sim, invertida. Pelo menos foi isso que tive que fazer no  Microsoft Picture Manager para obter um resultado igual ao do Cavaco e do António Costa. Somos portanto, uma nação invertida, e apesar do colorido da bandeira, não estaremos a querer mostrar ao mundo que somos todos orgulhosamente gays. Como sugere o dicionário para invertido. Que a coligação é farinha do mesmo saco, ou socialistas e sociais democratas jogam na mesma equipa. Deixámos foi de estar habituados aos mesmos usos e costumes. Língua ainda temos, mas cada vez menos nos entendemos ou somos entendidos. Governados por leis próprias e soberania também já era. Começo a ter dúvidas que tenha sido apenas um ingénuo erro protocolar, tal é o enquadramento cénico.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Fábulas da pontinha


Desta pontinha da Europa ou das várias pontinhas, principalmente as do sul, histórias que têm sido ultimamente utilizadas por todos e mais alguns para caracterizar os mais variados episódios da atualidade nacional. Pelos políticos principalmente. O rato (o Macedo, tomei a liberdade de escolher um animal, à boa maneira da fábula), disse haver mais cigarras (calões para ele, políticos oportunistas para nós) do que formigas (os trabalhadores). Uns dias antes, na quadratura do círculo, na sic, foi um desfilar de personagens nos comentários aos então recentes anúncios do ministro das Finanças. Desde logo no painel: uma pereira (o Pacheco), um lobo (o Xavier) e um sapo (o Costa, não no nome mas na figura). Começou o lobo (o Xavier), num tom pausado e com o seu quê sobranceiro por contar que quando o leão (o Passos) está moribundo, até o burro (o Seguro, o Jerónimo ou o Louçã) lhe dá pontapés. Ao que a pereira (o Pacheco) contrapôs com exigência de objetividade, caso contrário também ele contaria a história do boi (falas, falas) e a rã (mas não dizes nada). E assim continuaram com referências a outras histórias e lendas, o Rei vai nu (o Governo), o Pedro (o Sócrates) e o Lobo (a troika)… e eu “Irra, acabem lá com isso e desenvolvam!”, óbvio que não me ouviram.

De histórias e disfarces percebem eles, mas nós queremos é transparência e competência. Fábulas, conheço-as agora melhor, conto-as à noite aos meus putos, de um livro que as tem originais e em verso, eles adoram os desenhos e ficam sem perceber se a história já acabou, mas acabam por dormir, embora que com a sensação de que foram enganados. Tal como nós, mas nós já passamos a fase da sensação, não queremos que nos embalem e adormeçam como se fôssemos crianças. Estamos bem acordados, temos pouco sono e muitas insónias! Não resulta. É má comunicação: 1º nem toda a gente conhece as fábulas; 2º mesmo conhecendo-as, nem sempre a moral é clara e evidente (como na da rã e do boi em que eu próprio fiquei baralhado); 3º é muito fácil trocar os animais e subverter a moral (certo Macedo?); 4º irrita ouvir falar de coisas sérias com este desplante. E assim também eu anuncio que o macaco (o Vítor) fez mais umas macacadas, a raposa (a troika) está à espreita e os animais (nós) em alvoroço e sem governo.

Pior ainda, é que foi um grego (o Esopo) que inventou as fábulas, só faltava que quem as aperfeiçoou (o La Fontaine) fosse alemão em vez de francês, o que já de si é suficientemente mau.

Blaugranas

Só o nome já é um bocado abichanado. E sinceramente é o que parecem, uma cambada de maricas a jogar à bola. Toma vai tu, não vai tu, não não leva tu, joga para mim agora, mete naquele a seguir, joga para trás, para a frente, trás, frente, para o lado, dá cá outra vez, agora vou eu sozinho, deixa-me passar, não me toques, só mais um, espera, toma vá marca lá, é só encostar, não, ainda não me apetece, vou virar de flanco, passa passa. E andam nisto minutos a fio. Irrita qualquer um. Muito aguentam os adversários, pois a vontade é de lhes bater ininterruptamente (o que até foi acontecendo mais para o final). E deve ser isso que eles querem, que lhes batam para ainda passarem por coitadinhos. Nem faltas fazem, que o futebol é para se jogar. E quando as fazem, só para disfarçar, fazem-nas mal e até que magoam, ao ponto de serem expulsos. Possivelmente até de propósito, só para mostrarem que com menos um, continua tudo na mesma. Vaidosos exibicionistas.

Mimados, invejosos que não emprestam nada a ninguém! Eu sempre aprendi que tem que se partilhar. Se é para eles terem uma bola só para eles, então que se mudem as regras, uma para eles, que pode ser de outra cor, se quiserem até pode ser blaugrana, e outra branca. A bola deles não conta para nada, exceto quando entra na sua baliza, a branca tem a função habitual num jogo de futebol normal e tem que ser disputada. Isso é que eu queria ver! Se mesmo assim conseguissem ficar com as duas, então dava o braço a torcer. Se calhar é melhor não, também não os quero ferir na sensibilidade. Mas devia, porque o que eles fizeram foi andar a jogar à rabia num campo de papoilas saltitantes que para pouco mais serviram do que para cenário. Abanavam de vez em quando as pétalas à passagem dos meninos da bola e mais não fizeram do que ligeira comichão e provocar algumas quedas.

Há que lhes perder o respeito e não prestar vassalagem, pois é o que começa a parecer. O futebol espetáculo não é decididamente isto. Podem ser o melhor conjunto dos jogadores mais dotados tecnicamente de sempre. E até posso dizer que tive o privilégio de os ver jogar várias vezes. Mas dá sono.

domingo, 16 de setembro de 2012

A vida que nunca tivemos?

Cerca de 600 mil reclamaram ontem nas ruas, na maior manifestação em Portugal após o 25 de Abril, contra as mais recentes medidas do Governo. Muitos milhões seguiram solidariamente onde quer que estivessem. Outros tantos terão pelo mundo fora notado, mesmo que por breves segundos, que algo de importante se passava neste nosso canto. No espaço de uma semana, a era global da informação permitiu através de um único meio – o Facebook – a mobilização de quase um milhão de pessoas (se juntarmos os portugueses que além fronteiras se manifestaram, não deve andar longe), sob o lema: “Que se lixe a Troika. Queremos as nossas vidas”. Simples, direto, assertivo. As nossas vidas! É disto que se trata.

O que têm sido as nossas vidas? Até há pouco tempo atrás, Portugal era um país bom para viver. Os que pouco ou muito pouco tinham, iam-se safando, os que tinham alguma coisa, safavam-se e os que tinham muito safavam-se à grande. Até os que lá fora nada tinham para cá vinham. Agora fogem para os seus países e nós para os deles. Os que têm muito já partiram, os que têm alguma coisa, perspetivam cada vez menos e são forçados a ir, os que pouco têm, arriscam-se a nada ter e, são cada vez mais os que nada têm. Dizem-nos agora que vivíamos acima das nossas possibilidades. Após o último auxílio do FMI ao nosso país, há sensivelmente 30 anos atrás, seguiu-se a entrada na CEE e desde então foi sempre a subir. Vertiginosamente, sem olhar para trás, nem para a frente. Fomos inundados por uma onda de benefícios e facilidades, que naturalmente aproveitámos sem grande orientação ou caminho definido. Subsídios, fundos, créditos e apoios. Para gastar. Sem estratégia de ninguém. Cidadãos ou Estado. Todos comeram! Agora a vaca secou, mirrou (pelo menos para alguns) e pior exibe-nos a conta, percebemos que temos sido enganados e iludidos por facilidades aparentes e perniciosas. Antes do FMI em 1983, vivemos a pós-revolução com o desnorte e dificuldade normal de quem se liberta do totalitarismo, de uma ditadura autoritária e repressiva, espelho da falta de liberdade e condições dignas para viver. Antes disso as perturbações das primeiras repúblicas. Não tínhamos as nossas vidas, como não as temos agora.

A vida que vamos ter nunca a tivemos. Vasco Pulido Valente escrevia hoje no Público, sob o título “Ano II da era da crise”. Da minha curta existência, para mim será o ano 30 e qualquer coisa da era da ilusão. O que tentamos ver pela frente chega em forma de ajuda tripartida com um custo indecente de pobreza somado de juro nada solidário, que só nos afundará mais. As alternativas que poucos nos sabem explicar, apontam para a renegociação de dívida rompendo com os que nos amarram, mas aumentado o risco de bancarrota. Que aliás nos tem acompanhado ao longo da história. O que custa é olhar para trás, mais até do que para a frente, e perceber que afinal raramente tivemos verdadeiramente as nossas vidas. Mais do que as nossas vidas queremos um rumo, uma identidade de futuro que não o imediato. A navegação à vista, deu resultado nos descobrimentos, há 500 anos atrás. E já aí demonstrávamos arte, engenho, competência, coragem.

sábado, 8 de setembro de 2012

Pesadelo

Acordei e não era um pesadelo. Fui-o comprovando na rua, na padaria, no café, na papelaria, na praia onde o sol teimosamente se descobriu no nevoeiro. As pessoas estão tristes e revoltadas, a pobreza ainda não é total e absoluta mas está prometida e novamente anunciada. A esperança é crescentemente vã e desvanecida, tal como o horizonte que não se vislumbra na névoa e se mantém encoberto na austeridade das políticas que nos impõem e tolham.
Ontem o dia estava quente e húmido, estranho e desajustado de um período de retoma de atividade após época de férias. O país consome-se nas notícias e nos incêndios devastadores. O BCE até vai começar a comprar ilimitadamente a dívida e as bolsas subiam como já não era hábito. Presságio e engano. O primeiro-ministro ia falar ao país meia hora antes do jogo de Portugal no Luxemburgo. Finalmente seria conhecido o tão aguardado resultado da avaliação do 5º exame da troika. O otimismo e esperança pessoais foram praticamente desfeitos com o pré-anuncio de austeridade e a desconfiança dos exames de 2ª época, que nunca foram de fiar. O resultado ouvi-o então na rádio. Falou, anunciou, destruiu. Uma terrível machadada! Aos euros de roubo no ordenado somaram-se a descrença, o desânimo, a desmotivação, o desacreditar. Calou-se, 5 minutos de análise dos comentadores e, chega. Pois a bola já rolava. Uma volta completa pelas frequências radiofónicas e nada de austeridade: música para alegrar e o relato para distrair. Golo dos amadores luxemburgueses, sobre os tristes burgueses de Portugal. Só podia ser pesadelo! Será que a troika encena tudo isto?

O pesadelo temo-lo vivido, não ontem, mas nas últimas décadas. Só que em forma de sonho. Que pior do que viver na ilusão, no engano de uma falsa prosperidade, governados pelas mentiras, más políticas e oportunismos de uma classe e sistema orientados por interesses de uma minoria que quer controlar e manipular em seu benefício? E assim continuamos com remendos, ou remédios austeros num sistema económico e financeiro mundial obsoleto e disfuncional. Equidade entre empresas e trabalhadores, só nos ideais supostamente utópicos do comunismo. Equidade numa taxa igual, transversal e cega para todos, só em teoria, na prática sem solidariedade. Equidade só se for no aproximar dos salários baixos ao desemprego.

Temos que acordar!

PS: No meu pesadelo que foi bem real, ainda antes do pré-anuncio fui multado e bloqueado pela EMEL numa brincadeira de 90 euros. O que, vistas bem as coisas é um mal menor, mas que contribui para a depressão final. Mais um exemplo de como muitos males menores, se assumem cada vez maiores e nos vão deitando a baixo...

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Mercado da Ribeira

publicado no site do Record http://www.record.xl.pt/opiniao/leitores/interior.aspx?content_id=776579

Abre às 6 e fecha às 15. Ou abria, já teve melhores dias e agora é um ponto turístico, mas enquanto funcionava, toda a gente conhecia as regras. Agora, o mercado das transferências futebolísticas é um verdadeiro “salve-se quem puder”. Há mercados regulamentados, mas este não se pode dizer que o seja, apenas por ter definidos dois períodos temporais em que se podem fazer transações. De jogadores. No verão e no inverno. A lei é só uma: milhões de euros. Muitos. Quem tiver mais, ganha. Ganha porque compra e não deixa mais ninguém comprar.

Estamos em crise, não há dinheiro e a grande maioria dos clubes compra muito pouco. Nada se passa, até que, intencionalmente, no último dia, 2 ou 3 clubes-império assediam o que há muito tencionavam assediar. O poder negocial dispara e impõem a sua vontade à força dos milhões que acenam numa mão aos clubes e jogadores. No pulso exibem o relógio em contagem decrescente. Finalmente há dinheiro e o mercado agita-se. Os clubes que recebem, logo pensam em investir e reforçar os planteis, acabadinhos de desfalcar. Tarde de mais, o mercado fechou! Mas o quê? Já?! Não calma, na França, Turquia e Rússia continua aberto. Ah bom! Bom, mas para quem tem dinheiro! Outra vez não! Agora ainda é melhor para quem compra. Pouca concorrência e ainda bons artigos. É só tirar 40 milhões de um bolso mais 40 do outro e esperar pacientemente. Qual frio, qual ambição, qual glória, qual quê! “Onde se assina?”, perguntam Hulk e Witsel. E o que fazer com 60 milhões no bolso e as calças na mão, Benfica? Nada. O mercado já tinha fechado. Quem até se foi precavendo, o Porto, terá menos danos, quem não o fez resta-lhe aguardar pela humilhação na Luz com o Barcelona. A época passada ficaste em fevereiro, nesta não chegas a outubro. O Vieira podia ter feito mais? Apenas antecipar-se com um pseudo-substituto contratado atempadamente, ou com uma renovação que até foi tentada em cima da hora. Mas não há nada que vença os litros de milhões do gás russo. Espero que também sirvam para o aquecimento central!

Quem tem dinheiro salva-se. A feira da ladra talvez seja mais leal. Este mercado é uma ladroagem! É por isso que eu agora só vejo a segunda liga e o Benfica B: não há mercado nem contratações de jogadores influentes à última da hora, jogam os jovens e outros reforços que nunca puderam mostrar valor, os jogos são transmitidos em sinal aberto na isenta Benfica TV (e não nos chulos da SportTv ou nos míopes da TVI que não sabem distinguir jogadores) e melhor que tudo, o Porto não ganha, está apenas acima da linha de água e mesmo que fosse campeão nem à europa ia.

sábado, 1 de setembro de 2012

RTP e 2ª época de exames-troika

Evidentemente fará sempre confusão a privatização de um serviço público tão facilmente exposto às guerras e às pressões comerciais das audiências. Primeiro há que perceber, faz sentido privatizar? A RTP até não dá lucro? Dá. Mas é cara. Mas dá lucro! É difícil de entender, mas admitindo que faz sentido, e uma vez privatizada, um dos riscos será perder o serviço público, e nesse cenário, reconhecer o erro e recuperá-lo. Em termos lógicos, parece-me que até seria mais fácil fazê-lo com uma concessão. Assim de repente e ainda influenciado pelas férias, as praias também são concessionadas. Aí é fácil controlar, até se pode por o nadador salvador a cobrar os toldos e a impedir que sejam colocados chapéus de sol no horizonte. Quem pode, quer, paga e usufrui de uma boa praia, quem não pode ou não quer, arranja praia de segunda, compra gelados e vai ao wc do concessionário. O mesmo que paga o servidor público – o nadador. Se até na praia é difícil definir quantos nadadores por metro são precisos, pior será definir serviço público de televisão e em que quantidade, num canal que está longe de ser uma praia. Portanto, quem não gostar do serviço público concessionado da RTP1, terá que se contentar com serviço público na RTP2. Isto se o canal se mantiver, o que não é claro, como não é nem nunca foi claro, o porquê da privatização. Porque o Relvas prometeu a alguém? A quem? Porque a troika disse? Mas o que é que a troika sabe? Aplicar programas, que muitas vezes não encaixam na grelha.

A troika está cá para mais um exame. Toda a gente sabe que Agosto não combina com avaliações e exames, e só isso é razão para alarido. Pior ainda quando se sabe que a avaliação será negativa. A não ser que o avaliador não olhe apenas aos números deficitários, mas também ao texto e ao contexto, o que até já fez com outros países, que por terem fama de alunos bem comportados, foi-lhes concedida essa benesse. É aguardar sem histerismos. Antes histéricos do que amorfos, abatidos e resignados. Mas não posso deixar de opinar que tudo isto estará também empolado pelo stress pós férias-crise, que explico no post anterior e já agora completo: a alucinação também será um sintoma, é que a Administração da RTP caiu, mas o Relvas continua...

Stress pós férias-crise

Já era conhecido o stress pós-férias, que não é mais do que o nome pomposo para ressaca e preguiça depois do descanso. É este o estado geral da sociedade portuguesa, nesta altura do ano. O que safa é haver ainda pouco trânsito. Os sintomas são claros: ansiedade, cansaço, tristeza, mau humor, insónias. E como estamos em crise, as férias onde é suposto descansar dos deveres e obrigações quotidianas, foram diferentes. Com a crise, as férias foram cá dentro, é o mesmo que dizer que fizemos férias nela, com ela ou dentro dela. Da crise entenda-se. Nas férias o português arranja sempre forma de contorná-la e de certa forma esquecê-la, o que até confere o sentimento de realização pessoal. Não dá para ir para fora ficamos cá dentro, não dá para ir para o Algarve, ficamos na Costa, não dá para ficar no hotel ficamos em casa e comemos fora, não dá para comer fora, fazemos o farnel e levamos para a praia, não dá para comprar de marca, compramos da marca do supermercado. E isto cansa. De um dia para o outro as férias acabam e apesar da crise ter estado sempre presente na lancheira, voltamos ao trabalho e deixamos de a conseguir contornar. Lá se vai a realização pessoal do desenrasque. O stress pós-férias é assim agravado pela crise, dando lugar ao stress pós férias-crise que é trinta vezes pior. Estamos sensíveis e perante qualquer acontecimento, faz-se um grande alarido e entra-se em histeria. São estes os dois sintomas que distinguem um stress do outro: alarido e histeria.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Live at London

Ainda os jogos. Já se sabia que os ingleses têm a mania de serem diferentes. Fizeram questão de o mostrar mais uma vez nestes olímpicos. Prova disso foi a cerimónia de abertura, mas principalmente a de encerramento. Não sei agora precisar quanto, mas com orçamento bastante inferior ao da última edição, a faraónica de Peqim, os britânicos não se deixaram passar despercebidos e não fizeram cerimónia. Fizeram sim, uma grande cerimónia.

O ponto alto foi, com toda a certeza (pelo menos para mim), a ressurreição de Freddie Mercury em pleno estádio olímpico para a reedição interativa do “Live at Wembley”. Momento genial! Quem imaginaria voltar a ver e ouvir, a sentir, um estádio inteiro a acompanhar em uníssono esse ícone musical com os famosos “dirórês”? Melhor, não poderia ter resultado. Qualquer apreciador de música ao vivo e de todo o espetáculo subjacente terá desejado estar presente. Brian May um monstro da guitarra, bem vivo, revigorou “We will rock you”, tema já de si bem pujante, num excelente dueto com a bela Jessie J. O desfile de ídolos não se ficou por aqui. Pode-se até dizer que foi a cerimónia do prefixo “re”. Reaparecimentos de John Lennon e dos Beatles (Paul McCartney na abertura), David Bowie, George Michael, The Who, Annie Lennox, Pet Shop Boys, Pink Floyd. Reavivar e relançamento de Artic Monkeys, Kaiser Chiefs, Jessie J… e o rejuvenescimento das maduras, mas sempre picantes Spice Girls.

Não foi preciso inventar muito, bastou usar o que já estava inventado. Com tanta matéria-prima, o trabalho de qualquer realizador, encenador ou coreógrafo, restringe-se à tarefa de gestor de alinhamento. Simples, mas boa música, requinte e bom jogo de luzes: sai uma cerimónia e um espetáculo grandioso.

Foram os britânicos a exibirem o que de melhor a sua cultura tem exportado ao longo dos últimos 50 anos. E quer se queira, quer não, também através da cultura lá estiveram os genes portugueses, com sotaque brasileiro na passagem de testemunho para 2016.

(Como não consegui comprar os direitos de imagem, ficam os links: Queen - http://www.youtube.com/watch?v=YzoyDILKlhY; Spice Girls - http://www.youtube.com/watch?v=PArTdhNda7k)

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Correio do leitor

As secções jornalísticas destinadas à correspondência dos leitores causam-me algum desconsolo. Em nome da poupança de espaço, cortam e truncam o que lhes apetece. No fundo praticam austeridade literária. E nesse sentido, sinto-me lesado, pois a minha, boa ou má, não deixa de ser literatura. É por isso que reclamo um artigo publicado, mas num espaço condigno, sem censura e com relativo destaque. É ambicioso e presunçoso? Sim. Mas apetece-me reclamar os meus 15 minutos de fama. Que serão apenas algumas dezenas de segundos, não mais do que o tempo que demora a ler um texto como este.

Por ventura estarei a ser demasiado pretensioso. Afinal de contas, não tenho qualquer formação superior que me confira qualquer credibilidade para, de repente, querer publicar um texto. Mas antes desabilitado do que com uma licenciatura “relvaticamente” formada. Ou forjada. Bem sei que vivemos numa selva em que vale tudo. Mas eu estudei, trabalho, desconto e na velhice a única certeza que tenho é a de que a reforma será uma miragem. A mesma reforma que outras ervas daninhas adquirem em meia dúzia de anos no parlamento. As tais subvenções criadas pelo Cavaco para compensar os que servem o país, pelas oportunidades profissionais perdidas no tempo de desgovernação. Vá lá que o Sócrates estava atento e acabou com isso. Terá sido o assumir que afinal a governação não fecha portas, abre sim os gabinetes de grandes empresas. As mesmas onde se começa a pagar e procurar mais um serralheiro ou um carpinteiro, do que um arquiteto ou um engenheiro. Isto assim escrito, até teria alguma piada, mas não tanta, ao ponto de arrancar gargalhadas daquelas que permitem aos novos famosos, os palermas dos comediantes, terem colunas em tudo o que é revista e jornal.

Ora então, se hoje em dia se fazem licenciaturas instantâneas, que não servem para nada pois precisam-se é de ferramentas, não de canudos, se qualquer palerma publica num jornal e se cada vez mais se reclamam oportunidades, então eu também quero! Não que escreva maravilhosamente bem, mas isso até pode ser requisito. Escrevo o que me vem à cabeça e tento transmiti-lo genuína e arcaicamente na melhor forma. E não me deem secções de correspondência ou do leitor. Eu nem sou grande leitor. Muitas vezes não tenho paciência, leio as gordas e tento ficar com uma ideia. Ler, vale a pena, mas tem que haver disponibilidade mental e assimilação de qualquer coisa. Ler, só por ler, sem entrar nada é que não. É por isso que fico por aqui.

sábado, 11 de agosto de 2012

Escravos olímpicos

Os até agora resultados dececionantes dos atletas portugueses, beliscam o orgulho dos seguidores dos entusiasmantes jogos olímpicos. Neste caso os de Londres. Para os adeptos do desporto, os jogos são uma grande festa. Variedade de modalidades, horas e horas de competição, espetáculo e recordes para bater na concretização infalível de 4 anos de espera.

Invariavelmente aprendemos a ver os jogos de uma forma menos tensa, mais lúdica, pois já não esperamos grandes feitos nacionais. Falta de preparação, de atitude, de apoio, demasiada pressão, um dia mau, várias são as justificações. A verdade é que fomos ficando para trás. Edição após edição, os resultados evoluem, a competição é mais feroz e uma medalha que se pode ter apenas de 4 em 4 anos é disputada a um nível elevadíssimo. Os jogos, que têm a sua sustentação num espírito olímpico são cada vez mais o espelho de capacidades super-humanas. O esforço que é empreendido por um atleta na preparação dos jogos começa a atingir níveis que desafiam o limite da capacidade humana. Capacidades sobre-humanas. Fará sentido dedicar toda uma vida por uma medalha? Toda uma vida parece exagero, mas o que inicialmente são 10 ou mais horas de treino diário durante a infância, adolescência e juventude, são no futuro horas perdidas ou não ganhas numa infância, adolescência ou juventude que não se vivem outra vez, e onde não se viveu o que se devia ter vivido. E sabemos como marcam estas fases, a vida. Irrecuperável e sem preço. Por representação de um país, a troco de uma bolsa incerta e glória efémera. Nalguns países, os mais desenvolvidos, um atleta que se compromete física e espiritualmente durante anos para alcançar a glória, até terá o seu futuro garantido. Phelps foi transformado de criança hiperativa no mais medalhado de sempre, à porta dos 30 anos deixa as piscinas e de certo a América lhe dará uma ocupação, mas qual será o futuro das jovens ginastas chinesas e de toda a quase totalidade dos atletas que não ficam na história? As capacidades são afinal desumanas.

Os portugueses não conseguem nenhuma glória. A prata dourada na canoagem é a exceção que confirma a regra. Sem dúvida um grande feito, a modalidade menos financiada alcança o melhor resultado. Talvez até Portugal conseguisse algo mais se houvesse um maior comprometimento e esforço de todos os envolvidos. Mas se calhar é melhor mantermo-nos assim. Normais. O desporto é suposto ser são.

Os jogos necessitam de um reset. Escravos eram os gladiadores nos jogos do coliseu de Roma.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O meu primo Carlos


Ligou-me há um mês atrás para me dar os parabéns. Do Indiana. Estava calor, vários fahrenheit, que só por si já são muitos. “Em Chicago é que é bom”, acrescentou. Que grande maluco! O que virá a seguir? “Estou no Alabama! Aqui no faroeste do Colorado é uma autêntica torreira”. Imagino-o nos desfiladeiros, dos filmes de cowboys que víamos na infância. A esta distância, agora percebo que logo nessa altura, o mundo poderia ser pequeno para o irrequieto Carlitos. Eramos como irmãos. Para mim também um melhor amigo. Fazíamos coisas de putos, normais da idade. Com as raparigas sempre foi mais afoito. Mas agora refiro-me aos espalhanços de bicicleta, aos carros de rolamentos, aos piões. Partilhas e cumplicidades. Algumas bem parvas, como escondermos um ramo de cabeças de alho nos sacões de papelão de dezenas de pães que os nossos pais nos encomendavam para o café.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Portugal festivaleiro

publicado na BLITZ de Agosto de 2012
 
Gosto da palavra festivaleiro, é forte, soa bem e transmite alegria. Não haverá motivos para grandes festejos e animações, mas inversamente ao estado geral, Portugal é neste momento o país Festival. E não num sentido negativo. Nesta época do ano, dá para ficar perdido no mapa dos festivais tal é a quantidade! E com tamanho ecletismo. Norte, centro e sul. Interior, serra, planície e litoral. Praia e campo. Continente e ilhas. Só a tmn está em três, a Optimus em dois e a Vodafone noutro. RTP, SIC, rádios e jornalistas. EDP e Partido Comunista. Super Bock e Sumol. Relva, pó, cimento, muralhas ou terra. Pop, rock, jazz, metal, alternativa e electrónica. Clássico e contemporâneo. Palcos grandes, médios, pequenos e tendas VIP. Bandas, mais que muitas, novas, velhas, jurássicas, nacionais e estrangeiras.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Manel Zé à Selecção!

Trato-o assim, não por menosprezo, ou discordância com a sua recente posição relativamente à Selecção de todos nós. Trato-o assim, não por o conhecer pessoalmente e ter confiança para tal. Trato-o assim, porque ele revelou um tremendo conhecimento dos portugueses. De todos nós e da situação que directa ou indirectamente vivemos. Tratou-nos como se nos conhecesse profundamente, sentindo e solidarizando-se. Tratou-me também a mim, e se ele o fez, eu também posso dizer: “É isso mesmo Zé! Manel, Zé!”.

A solidariedade só se consegue praticar verdadeiramente quando é sentida. E a esta selecção é difícil sentir. É feita de elites. As que sentem a crise de maneira diferente, ou não a sentem de todo. O que apesar de tudo, não deixa de ser estranho. Muitos estamos, conhecemos directamente alguém que está ou corre o risco de vir a estar desempregado. Os tempos mudaram é impossível estar indiferente e fingir que nada se passa. E é isso, ou praticamente, que tem sido feito. Indiferença perante a grave situação económica e social em que Portugal se encontra. Indiferença dos protagonistas por o permitirem e dos que fazem por mostrar. Durante as últimas semanas, diariamente e com relativa frequência horária, somos invadidos com o relato dos últimos minutos deste ou daquele envolvido na selecção. Seja ele jogador, treinador, médico, dirigente, fotógrafo, cozinheiro ou motorista.

Eu quero é futebol! Técnica, táctica, golos! Se quisesse um Big Brother via a TVI!


terça-feira, 22 de maio de 2012

Taça de Ouro Negro

O Cavaco não foi ver a final da Taça. Algo de muito importante e de interesse extremamente superior deve ter ido fazer, para que, um país que vive de futebol e tem na festa do Jamor um dos dias mais importantes do ano, se veja privado do chefe maior da nação. Como se não bastasse, seguiu em sua substituição a segunda figura mais importante do Estado. Um acontecimento de primeira, não pode ter um representante de segunda! E para quem andar mais distraído, a segunda figura não é o Passos (a figura dele é outra, a da chacota). A segunda figura é antes uma mulher, sem desprimor para o sexo feminino que cada vez mais vive efusivamente o futebol, a chefe da Assembleia da República que lá fez o frete de não entregar a Taça aos leões e aprová-la aos briosos estudantes coimbrões de negro.

De negro estará o Cavaco em Timor a tentar encher a taça das influências e das relações internacionais. De milhões do fundo do petróleo que, em 10 anos, fizeram de Timor devedor a potencial credor de Portugal. Assim o admitem os seus dirigentes e o confirma o nosso presidente, embora que disfarçadamente. Mau disfarce de uma campanha publicitária do bom investimento que é a dívida portuguesa. Podia-se ter levado um spot da pêra rocha, da maçã bravo de Esmolfe, do azeite galo, do mais recente tinto campeão do mundo, da tecnologia, do tomate cereja ou da própria cereja. Mas não, publicitou-se dívida. Refletindo melhor, publicitar produção nacional da boa, para quem comprar? Uma população, em que metade vive a baixo do limiar de pobreza, sendo que a outra metade não deve andar muito acima? Talvez até faça sentido promover dívida.


domingo, 20 de maio de 2012

Voltar à terra

publicado no Público de 11 de Agosto de 2012
 

No sentido literal para os astronautas em órbita, no sentido figurado para os que andam com a cabeça na lua, no sentido economicista de última alternativa de fuga às dificuldades e de procura de uma vida melhor e, no sentido lúdico, fraternal e migratório do retornar à província de pais e avós.

Em órbita nunca andamos, ser astronauta é só para predestinados. Se não andarmos com a cabeça na lua, não temos como aguentar os pés assentes no chão. E, ir à terra passear passou a ser um luxo. A não ser que se vá pela nacional, devagarinho, a contemplar os caminhos de outros tempos, no dobro do tempo. Com curvas e contracurvas. Montanhas e  escarpas. Currais, casas e animais. Pinhais, chaparrais, olivais e vinhais. Rectas, planícies, cultivos e colinas. Rios e riachos que seguem o seu curso, sem parar. Como a vida, que foi indo e tristemente deixou a terra abandonada. Às silvas, como temerosamente alertavam os avós.

sábado, 28 de abril de 2012

Gunn on pirates

publicado na BLITZ de Junho de 2012
 
Paulo Furtado, um dos vocalista dos Wraygunn diz gostar de viver em Portugal. Das nossas gentes, costumes e locais. Não acha necessário emigrar para fazer carreira e ter sucesso internacional na música. A sua e a dos seus companheiros de palco. Definem-se num estilo inpirado pela localização de Portugal no centro do eixo América-África. É o que dá fumar cenas! Podia-lhes dar para pior, mas o resultado até é bastante bom.

Apesar de serem fãs do seu país, o nosso, é que parece não ser grande fã… da música. Numa época em que o digital cada vez mais nos consome e nós o consumimos, a música não é excepção. As vendas digitais começam a ser tão ou mais importantes que as vendas palpáveis. Excepto, neste nosso país. Ao contrário de muitos outros onde o crescimento é exponencial, em Portugal o mercado de música digital não cresce. Não tem expressão. E a culpa é da nova lei anti-pirataria que não sai. Não! A culpa é da cultura. A cultura musical não é apreciada como um bem essencial. É antes depreciada com um preço inflacionado pelo valor acrescentado de imposto à taxa máxima. Não que a cultura não tenha valor, ou o valor cultural da música que se produz, a sua qualidade, não atinja o patamar máximo. Porque o atinge. E cada vez mais, dada a quantidade e qualidade de novos grupos. E se o atinge, ou só por isso, não deveria ter equivalência no imposto, antes pelo contrário. Mas não é essencial. Não é essencial porque não se educa e transmite a sua arte e apreciação. Tanto no ensino oficial, nas escolas, como no privado, fora das escolas, entre cada um de nós.


domingo, 15 de abril de 2012

MAC - o berço do país

A MAC é o berço do país. Não confundir com o facto de Guimarães ser o berço da nação. Não se trata de nenhuma ataque anti-regionalista, são coisas diferentes. A MAC é o berço de Portugal!

A MAC é vida. Fechá-la é morrer. É matar um pedaço de Portugal. É dispersar e perder conhecimento acumulado de valor incalculável na ciência de fazer nascer, dar vida e oferecer paternidade. A MAC é também sinónimo de justiça e pluralidade social. Todos nascemos iguais, ou devíamos, quanto mais não fosse na possibilidade de acesso a cuidados de assistência médica com segurança e qualidade.

O nascimento é um elemento fulcral da sociedade. Contribui para o equilíbrio da pirâmide demográfica e numa altura em que se fala tanto na sustentabilidade da segurança social, congelam-se as reformas antecipadas a montante e cortam-se nos nascimentos, a jusante. É claro que este corte é insignificante em termos quantitativos, mas como se já não bastasse a falta de política de incentivo e apoio à natalidade, não deixa de ser mais uma machadada. Mesmo que simbólica e moral. Apesar de não conhecer os números, simbólica deverá ser também a poupança de despesa que justifica este fecho. Ou o ganho na rentabilização do aproveitamento dos serviços de parto e neonatologia de outros hospitais. Ora, sendo simbólico, de certo não o será a dispersão, logo perda, de conhecimento de valor inestimável, como já referi. Nascer não é como arrancar um dente, por muito amor que se tenha a um dente. Nascer é sim, o expoente máximo de um acto de amor! Com todo o sofrimento, emoção e responsabilidade que acarreta. Então porquê fechar? Privilegie-se pelo menos desta vez o que é genuíno, nosso, tradicional, cultural, cientifico!

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Coca-Cola: por um mundo melhor

Li no jornal Público algumas conclusões do RASI de 2011. Parece um nome indiano, mas não, é o Relatório Anual de Segurança Interna. Constatam-se factos e analisam-se resultados. Resumidamente a criminalidade baixou residualmente relativamente ao ano anterior (2%), com destaque, na baixa, para o crime violento. 

Aumentaram os delitos menores, por esticão e assaltos a ourivesarias. Um sinal claro da crise e dos seus efeitos. É preciso liquidez imediata, não há tempo para engendrar grandes esquemas, com homicídios pelo meio, correndo-se o risco de não se sair tão cedo de uma cadeia sobrelotada, onde, ao que parece, grande parte são estrangeiros, que enganados ao que vinham, tornaram-se violentos. Ser violento é relativo. Está dentro de nós, faz parte da nossa natureza, só que está adormecida. Experimente-se não dormir, ou mal, durante muito tempo, junte-se-lhe fome, ruído, saturação física e psicológica, desespero, luta pela sobrevivência, pânico e… é vê-la acordar.

Tal como noutras coisas neste país, também nos crimes, ou na violência se assiste a um desequilíbrio de distribuição geográfica. Porto e Lisboa têm as maiores fatias e o resto é paisagem. Ou quase. Na paisagem destaca-se Setúbal, não só pela beleza natural, mas porque completa juntamente com as capitais os 75% do crime português.

domingo, 25 de março de 2012

TCC - Transpraia da Costa da Caparica

Soube-se na semana que passou que o Governo abandonou definitivamente o TGV.



Mas quê em andamento? A alta velocidade, isso é capaz de aleijar! Assim de repente, sair de comboios em andamento, só me lembro do comboio da Costa, o TCC. Se o Governo tivesse abandonado o TCC, doía menos.
Quer dizer, mesmo no TCC é preciso tomar precauções. Um gajo sem destreza, até pode ficar preso nos apoios laterias dos braços, por uma perna e ir de rojo pela areia até à próxima praia. Menos grave mas também comum e igualmente aborrecido, nestes saltos do Transpraia, é dar cabo de uma unhaca do pé, que aquilo é feito de ferro maciço, à boa moda antiga. Provoca dores e causa arrelias por causa da areia. E eu sei do que estou a falar, já tiveram alguma intervenção cirúrgica na unha grande do pé? Eu já, posso dizer que dói e não é nada giro ir para a praia com uma meia de licra preta. Um salto mal calculado pode ainda dar azo a uma aterragem forçada e bastante incomodativa em cima daquelas plantas com picos, que eu não sei agora o nome, parecem aspirantes a catos do deserto, de aspecto frágil e inofensivo, mas que picam bem! O que vale é que nem tudo é mau na ciência do abandono de comboios em andamento, em particular do Transpraia.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Filamento Médico Intermitente

Antes de mais alerto que o texto que se segue é susceptível de ferir a sensibilidade de pessoas sensíveis, susceptíveis de serem feridas. Se é uma delas, é melhor ir ler outra coisa.




Nos cuidados intensivos do hospital mundialmente famoso, o Filamento Médico Intermitente (FMI), encontra-se em internamento prolongado a D. Economia Gertrudes Mundial. Aguarda-se, a médica chefe e administradora, que após a sua sessão diária de solário e retoque plástico, lá apareceu, afirmando que vê sinais de estabilização na paciente, alertando no entanto, que a doença de que padece, a dívida, está espalhada e será penoso sair dela. As crises de Grécia e a insuficiência Portugal não apresentam grande preocupação clínica. Estão sob vigilância e internamente são controláveis, basta dar-lhes uma injecção. O perigo, são as possíveis recaídas futuras e ainda a hipótese de contágio, sabendo-se que há outros órgãos vitais, maiores, debilitados e há algum tempo também afectados.

Cá fora, a preocupação encontra-se instalada. O funcionamento do hospital é já visto com grande desconfiança. A sua reputação tem vindo a cair desde que foi criado pelos EUA, na altura com um bom propósito.



quinta-feira, 15 de março de 2012

O Álvaro II – O lóbi ataca

Tal como esperava o Álvaro voltou outra vez à cena. Aliás, ele até esteve sempre em cena, mas como o elo mais fraco. E agora prepara-se para levar com o seco: “adeus!”.

Um elo por onde é fácil pegar, ou se preferirem despegar. Sem experiência política, acaba por ser a vítima ideal. E por não ser político vai ser posto a andar. E isto, confesso, eu não percebo ou tenho muita dificuldade em perceber. Então não andamos todos fartos da demagogia dos políticos e das suas promessas convenientes, de ocasião, falsas e mentirosas?

Não sei se este seria o melhor ministro da economia, pois o momento é difícil e de economia percebo pouco, tenho apenas umas pequenas bases académicas, portanto, deixo essa avaliação para os espertos da matéria. Mas do pouco que sei e tenho lido, o homem até tinha ideias, intenções, propostas, acções, reformas e, por não ser político, apresentava-se livre dessa intoxicação. O problema, é que o problema é mesmo esse, não ser político, não saber lidar com as pressões, as influências e os compadrios. Tudo o que não vá a favor destas forças, vai contra elas, logo é uma ameaça e deve ser neutralizada.

São os chamados lobbys, ou lóbis (em português, eu prefiro já vão ver porquê).

sábado, 10 de março de 2012

Baby don't you want to go

Uma passagem de Blues entoada ao melhor estilo pelo, não menos estiloso, presidente dos Estados Unidos da América, Mr. Barack Obama. Aproveitou um concerto intimista na Casa Branca para se lamentar de não poder fazer coisas tão simples, como sair à noite apenas para passear a pé ou dar uma volta de carro por aí, para espairecer. Em compensação, continuou, pode ter em sua casa o Mick Jagger e o B.B. King para um serão de Blues! Um estilo musical que, ainda segundo ele, é uma das bandas sonoras do estado actual de dificuldade do mundo e do seu país. Cânticos e canções de trabalho que no seu tempo lutavam subtilmente contra a escravidão.

Inevitável não imaginar o Cavaco de olhos cerrados e pose fadista, no salão de festas do palácio de S. Bento… (guitarra portuguesa) pimpim, pirilipimpim, pimpim, pirilimpim, pimpim, pirilipimpim… “ai a minha reforma coitadinha, nem chega para as despesas, uns milhares de euritos daqui, outros de acolá, um jantar de miudezas, para mais não dá”, pimpim... Palmas (a ver se se cala)! Nós, deste lado do Atlântico, portugueses, somos um povo de sofrimento com um fado de património mundial, por isso… cantamo-lo. Entre um bom copo de vinho e um bom petisco, tudo há-de passar.

Na terra dos Blues, muitos defeitos se encontram. A escravidão agora é outra, por eles