domingo, 9 de dezembro de 2012

Braziu

Há 7 anos, também em novembro, mas com muito mais calor do que em Paris, foi assim:
Faz hoje 8 dias estava eu numa praia distante, ao sol, a secar a água salgada no corpo e a observar a arte do voo de um passarão que pesca no mar, mergulhando literalmente após uma descida a pique. No dia anterior, à tarde, o mergulho foi diferente. Um baptismo na Ilha Rata, uma das secundárias. Não houve descida a pique, apenas cerca de 10 metros abaixo da linha de água e uma grande subida no nervoso miudinho. A confusão das bolhas de ar que saem, ao se expirar pelo bocal por onde se respira, e parece que nos vão arrancar a máscara da cara, logo se esquece mal começamos a conviver naquele ambiente submerso. 30 minutos foi pouco, mas deu para ver uma moreia bem grande, uma raia-manta de meter respeito, de tal forma que me imobilizou completamente quando passou poucos centímetros abaixo de mim, um cardume enorme no qual me deu vontade de entrar. Mais uma série de outros peixes das mais variadas cores e tamanhos. Um dos quais defecou duas vezes à minha frente. Faltou o tão desejado tubarão. De manhã, outra sensação de voo. A cerca de 100 metros da Praia do Porto, após alguns minutos de snorkeling, eis que surge no campo de visão, uns bons 8 metros na vertical um navio grego naufragado! Mais peixes por entre destroços e apenas o som da respiração pelos poucos centímetros do tubo que nos ligam ao ar. Depois o regresso de novo à areia após alguns minutos a dar às barbatanas sempre com os olhos à procura de algo que mexa. Tempo para descansar as pernas do cansaço acumulado e sentir uma chuva passageira. Tão passageira que mal acabou já estava tudo seco, outra vez. O cansaço a sério começou na tarde do dia anterior, na Praia do Sueste. Toca a meter o equipamento, máscara, tubo, barbatanas e pernas. Segundo o guia, também equipado, "nadamos 300 metros na direcção daquele areal e pode ser que se veja alguma tartaruga". Mal meto a cabeça na água, uma raia, esta mais pequena. E lá seguimos a nadar, com excepção para o "nipó-brazuca", que apesar ser mergulhador credenciado seguiu sempre em pé e de costas, arrastando as barbatanas pelo fundo coberto de vegetação. Alguns minutos depois com o tal banco de areia ainda distante e o cansaço já a pesar, eis que: "por aqui, está aqui uma". Uma tartaruga, com cerca de 70 centímetros de comprimento a nadar a outros tantos de distância de nós. De parar a respiração. O acompanhamento e aproximação era fácil de manter, quase até ao toque, tanto que não resisti e toquei ao de leve na carapaça. Consegui-me esquivar à reacção de defesa, do ataque com a boca em forma de bico. Lição percebida. Entretanto, muitas outras se cruzaram no caminho, e o frenesim continuou sem a preocupação do cansaço, apenas no contemplar e na tentativa de capturar uma boa foto. Uma hora ou duas, e muitos metros depois, o regresso ao ponto de partida, quase sem pernas, já sentado à beira mar no balanço da pouca ondulação, de novo com a chuva, mas com a certeza de uma experiência única, claramente superior às expectativas. O melhor fim para o primeiro dia a sério. Um dia que se iniciou de buggy com o guia a começar pela Praia do Sancho, vista a 50 metros de altura, com acesso por mar, ou por escadas entre fendas na falésia. O nosso. E aqui a primeira experiência de snorkeling, algo atabalhoada pela habituação à respiração pela boca. Pequeno pormenor de imediato esquecido, mal se atravessam no nosso nariz os primeiros peixes. Curiosos e sem medo. A atrapalhação inicial dá lugar a muitos minutos de observação. A temperatura da água assim o permite. De seguida a Baía dos Porcos, muito pequena e de difícil acesso, a pé por entre as rochas nitidamente de origem vulcânica. Algumas pareciam acabadas de solidificar. Grandes gotas de uma massa espessa, que por ali escorreu. Depois do almoço, a Praia do Leão, também vista de longe, pois quase todas as praias têm o acesso por trilhas. Naquele dia apenas dois cavalos procuravam o banho. Uma praia interdita durante os meses de desova das tartarugas (Dezembro a Junho). As mesmas que quando crescem vão vivendo na praia ao lado, a do Sueste. A tal onde o dia culminou em grande. O mesmo não se pode dizer do início do dia anterior, o primeiro na ilha. Aterramos cedo, 9 da manhã após uma hora de voo de Natal. A volta aérea antes da aterragem prometia para os 3 dias seguintes. Infelizmente tal não se verificou, nesse dia. A Tati adoeceu. Acordamos em Pipa eram 3.30 da manhã, e o corpo ressentiu-se. Depois o impacto das condições menos confortáveis de um ambiente mais seco e rudimentar. Acabou de passar a época das chuvas e não choveu, e o que se segue é a época da seca. O único açude de água doce está seco e todo o abastecimento é feito através da dessalinização da água do mar. À noite, após a recuperação da Tati, lá fomos à palestra conhecer mais da ilha Fernando de Noronha. A 300 Km de Natal, pertence ao estado de Pernambuco, dois ou 3 estados mais abaixo longitudinalmente. Politiquices. Descoberta por Américo Vespúcio em 1503, numa expedição financiada por Fernão de Noronha. Nunca lá pôs os pés. Actualmente são 26 km quadrados, com uma estrada principal alcatroada de 7 Km. Construção à beira-mar ou relativamente perto, nem pensar, e a protecção ambiental é lei. Nesse aspecto os brasileiros são bem mais evoluídos. Matar tartarugas é crime, punível por lei e sem caução. Não só na ilha como em todo o Brasil. 30 reais por noite é a taxa de preservação ambiental na ilha. O número de turistas é limitado, até porque apenas há um hotel e algumas pousadas de luxo com diárias com preços proibidos. Muitas pousadas familiares, com preços mais acessíveis mas apenas meia dúzia de quartos cada. Foram 4 dias muito bons. Antes, uma semana, mais turística em Pipa a cerca de 80 Km de Natal, a capital do estado do Rio Grande do Norte. Um hotel (Ponta do Madeiro) muito bom, numa falésia, com acesso à praia por 196 degraus. Uma das mais belas que já vi. Quase deserta e selvagem, finalizada numa baía, com os golfinhos que lhe dão o nome, devido às visitas diárias para uma refeição. Destaco o passeio de buggy à beira mar, até às dunas móveis em Natal. Ontem peguei no livro do Miguel Sousa Tavares, "Sul - Viagens" e por não saber onde tinha ficado a leitura, abro por acaso no capítulo "Nordeste - essa praia não tem fim". O gajo (para não lhe chamar outra coisa, tal é a inveja) fez uma viagem de buggy de Natal a Fortaleza, durante 1000 Km, com 90% de praia. E tal como ele acaba esse capítulo, também eu várias vezes pensei, o que teriam pensado os portugueses quando desembarcaram pela primeira vez nas praias do Brasil. E como disse o "bugueiro": "Êta, Braziu grande como à porra".

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